O mundo me intriga, e não posso imaginar que este relógio exista e não haja relojoeiro. – Voltaire
Mesmo que de relance, falemos da vida da mais romanesca das plantas aquáticas: a lendária Velisnéria, uma hidrocarídea (família de plantas monocotiledôneas, formada de plantas aquáticas, submersas ou flutuantes), cujas núpcias constituem o mais trágico episódio da história amorosa das flores.
A Valisnéria é uma erva insignificante, que não tem nada da graça do nenúfar (Vitória-régia, por exemplo) ou de certos filamentos submarinos.
Mas parece que foi intenção da natureza realizar nela uma formosa ideia.
A existência da pequenina planta decorre toda no fundo da água, numa espécie de sonolência, até a hora nupcial, em que a planta aspira a uma vida nova. Então, a flor fêmea desenrola lentamente a longa espiral do seu pedúnculo, sobe, emerge, e vai pairar e desabrochar à superfície da água. De uma haste próxima, as flores masculinas que a entreveem através da água repassada de sol, elevam-se também, cheias de esperança, para aquela que se balança, que as espera, que as chama para um mundo encantado. Mas chegadas a meio caminho, as flores masculinas sentem-se retidas imprevistamente: a sua haste, que é a fonte da sua própria vida, é muito curta; e, portanto, nunca elas atingirão a estância da luz, onde se possa realizar a união dos estames e do pistilo.
Houve por acaso inadvertência em a natureza, ou provocação cruel?
Imagine o drama daquele desejo, o inacessível que quase se toca, a fatalidade transparente, e impossível sem obstáculo visível!
Seria drama sem solução, como é o nosso próprio drama neste mundo; mas eis que se lhe junta um elemento inesperado. Teriam os machos o pressentimento da sua decepção? É certo que eles tinham encerrado em seu coração uma bolha de ar, como se encerra em nossa alma um pensamento de libertação inesperada.
Parece que eles hesitam por um momento; mas depois, com um esforço magnífico, – o mais sobrenatural, que eu conheço, nos fastos dos insetos e das flores, – para se elevar até à felicidade, despedaçam o vínculo que os prende à existência. Arrancam-se do seu pedúnculo, e, num impulso incomparável, entre pérolas de alegria, as suas pétalas vão rasgar a superfície das águas. Feridos de morte, mas radiante e livres, flutuam por um momento ao lado das suas noivas cuidadosas; e efetua-se a união, indo depois os sacrificados perecer, levados à mercê da água, enquanto a esposa, já mãe, cerra a sua corola, onde vive o último sopro do macho, enrola a sua espirale e desce de novo às profundezas, onde amadurecerá o fruto do beijo heroico.
(Do livro: A inteligência das flores. Maurice Maeterlinck)
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A vida nos chama a atenção para a própria vida.
Detalhes, nuances, indicam um fim previsto, que lança mão de um meio ordenado inteligentemente, belo e fascinante.
Do mesmo modo que vemos encadeamento que interliga cada um dos reinos da natureza, vemos também no micro e no macrocosmo.
Identificamos que há uma razão de ser o trabalho incansável da abelha, bem como a circunvolução da Terra ao redor do Sol, que compõe, com os demais astros, um espetacular balé cósmico, num ritmo e cadência que parecem ter havido exaustivo ensaio, dada a precisão matemática de cada movimento, com o impressionante detalhe de que um astro, para que se mantenha em sua jornada equilibrada e harmônica, depende dos outros, e assim infinito cósmico afora.
Tudo se encadeia no universo, desde o átomo até onde possamos imaginar, que passa pelo homem e para além dele, em transcendência.
Há sincronia entre a nossa respiração e os batimentos cardíacos, e deste com a circulação sanguínea e com todo o funcionamento do corpo humano.
O salmão persegue o seu destino, viaja milhares de milhas náuticas, vem de diversos pontos do mar, para alcançar o riacho em que nasceu. Ali entrega sua vida, porém mas perpetua-se na sua espécie e descendência.
As andorinhas migram entre Continentes, com seus bandos indo e vindo de ponto a ponto, como é o caso, por exemplo, de uma determinada árvore, em praça central da cidade de Apucarana, no interior do Estado do Paraná, que as recebe em determinada data de cada ano, sem atrasos. Outra árvore não serve. Especialmente aquela árvore é o destino delas.
Podemos alinhavar todas essas ocorrências que nos maravilham como o natural sentido existencial de cada espécie, de cada astro, de cada átomo.
Desse conjunto de fatos que revelam a inteligência da vida em a natureza, resulta para nós o convite a uma amadurecida e profunda reflexão sobre o sentido que temos dado à nossa existência e o nosso propósito de viver.
A Valisnéria e o salmão, nossos exemplos aqui, entregam-se dedicadamente ao que lhes compete diante da vida.
Já que consumimos energia mental e vital a todo instante, então que o seja por valores existenciais legítimos, edificadores de bem-estar e estado emocional equilibrado.
Em nossas respostas dadas no silêncio de nossa intimidade, constataremos justas, poderosas e insubstituíveis razões, pelas quais dedicamos nossos melhores esforços. No conjunto das respostas, também haveremos de encontrar motivos vazios, tempo perdido, resultados prejudiciais.
Se postos numa balança-reflexão, qual dos pratos conteria maior substância, maior “peso”? Por óbvio, aquele prato cujos conteúdos são por nós decididamente mais valorizados, mesmo se tidos pelos outros como desvalores.
Reunidos numa figura sintética, dois sentimentos: Amor e Ódio. Irá preponderar em nossas vidas aquele que for mais alimentado por nós, pelos pensamentos e atitudes.
A existência humana não está resumida em nascer, crescer, se reproduzir e morrer, sujeita a acasos aleatórios entre uma e outra dessas etapas.
A inteligência que dá um sentido próprio e útil a cada espécie em a natureza, sempre com equilíbrio, faz o mesmo com a espécie humana. Cabe-nos despertar a consciência para identificar o nosso verdadeiro sentido existencial.
Tanto valor dedicado, com exaustão de nossos recursos e energias, na busca do ter coisas, da posse disso, daquilo ou daquele, com quase total desconsideração pelo ser alguma coisa, pelo ser um bom pai, pelo ser uma boa mãe, pelo ser um bom filho e irmão, pelo ser responsável, pelo ser solidário, pelo ser fraterno, pelo ser bom, pelo ser justo, pelo ser congruente, pelo ser respeitador de tudo e todos, por integrar-se com a vida, em sua plenitude, e com o Todo, em sua imanência. Viver conforme a essência da própria vida.
Num impulso incontido, a flor masculina – Valisnéria -, para se elevar até à felicidade, despedaça o vínculo que a prende ao seu momento-vida, e, num sacrifical empenho, supera e transcende suas amarras e impedimentos, e se faz cocriador de nova vida.
Nada nos falta para rompermos com as amarras constritoras e impeditivas e saltarmos rumo ao bem-estar, à saúde, à alegria, à imortalidade, numa contínua ação de autossuperação, em busca de ser o que realmente desejamos, podemos e devermos ser. Basta termos vontade firme.
A flor feminina – Valisnéria -, por sua vez, recebe da vida a partícula-complemento, interioriza-a e recolhe-se em gestação de vida abundante, e se apresenta, logo depois, cumpridora de sua razão de ser, pronta a servir à natureza.
Beneficiários que somos de tantas partículas-sustento da vida, como o ar, a terra, a água, o fogo, o sol, a lua, que se combinam entre si, e se fazem substâncias diversas que suprem nosso viver, o que nos falta para nos dispormos a retribuir a vida com vida saudável, útil, edificante?
A Terra gira em derredor do Sol, a mais de 108.000 km/h. O Sol gira em torno do centro da nossa galáxia Via Láctea a cerca de 770.000 km/h, e o nosso Sistema Solar viaja pelo cosmo a uma velocidade de aproximadamente 870.000 km/h.
A saga dos salmões do oceano pacífico, contempla mais de 30 mil quilômetros de viagem a nado, com muito esforço contra as correntes, para fazer uma simples desova e morrer em seguida (os do oceano atlântico conseguem se reproduzir mais de uma vez).
Já temos trilhado muitos quilômetros pelas estradas da vida, com conquistas e com derrotas, com acertos e com erros. É chegado o momento de partirmos em busca de nós mesmos, de nossa origem, algo como faz o salmão. E não precisamos vencer grandes distâncias externas. O nosso objetivo está bem perto de nós. Essa estrada tem um mapa, que vai para dentro de nós mesmos, para o Continente do Eu profundo, cuja estação final será alcançada quando percebermos a placa: autodescobrimento – busca interior completada.
Podemos ser felizes, sim!
Comecemos por descobrir o verdadeiro sentido da vida, e o significado de bem-viver.
Sejamos felizes, hoje.
Hoje é o dia!
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