Eu apenas tirei da pedra de mármore tudo que não era o Davi!
Essa foi a resposta atribuída a Michelangelo Buonarroti, que tinha 28 anos de idade, quando indagado por ninguém menos que Leonardo Da Vinci, já venerado como um sábio das artes, aos 51 anos, isso em torno de 1503. O questionamento teria surgido no suposto diálogo sobre como conseguira esculpir com perfeição os 5,17 metros do monumental Davi, obra de arte que emociona até hoje quem se aproxima dela, na Academia de Belas Artes de Florença, na Itália.
Aquele enorme bloco de mármore, com mais de cinco toneladas, estava abandonado por quase quarenta anos nos fundos da Catedral de Santa Maria del Fiore, conhecida como o Duomo de Florença. Alguns escultores haviam tentado trabalhar aquele maciço, incluindo dois dos mais respeitados da época: Agostino di Duccio e Antonio Rosselino, mas desistiram do trabalho após infrutíferos anos de lapidação da pedra.
No dia 24 de junho de 1503, menos de dois anos depois de ser comissionado para realizar a tarefa, então com apenas 26 anos, Michelangelo apresentou ao mundo a magnífica escultura do Davi.
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A maioria das pessoas resulta do espelho social, sendo influenciada pelas opiniões, ideias e paradigmas das pessoas a sua volta, pouco ou quase nada apresenta e vivencia o que é seu, conforme sua realidade.
Um ou alguns pensam para nós e por nós, já que, por nossa vez, não pensamos.
Há quem defina as cores que deverão predominar na próxima estação.
Há quem selecione as estampas que comporão os trajes que logo estarão nas vitrines.
Há quem estabeleça o tipo de corte de cabelo que será tido como o corte do momento.
Há quem dite o comprimento do vestido, a largura das gravatas, a gola dos paletós, a mistura dos drinks, o melhor destino turístico, o tom do esmalte, o modelo de sapato, a melhor praia, o melhor hotel, a melhor leitura, o mais apropriado comportamento afetivo, a escolha do parceiro sexual etc., etc.
A propaganda usa dessa característica psicológica, que é chamada de introjeção, associa produtos a pessoas, para induzir identificação e ou aproveitar a identificação já existente com certa pessoa-modelo, ou com imagem que represente o anseio, a busca, a carência (como de paz, por exemplo), e outros elementos envolventes de que lança mão, e, com o convite subliminar, nos fazer consumidores daquele produto.
De repente, muitos estão vestindo um traje igual ao que certa atriz usou em um filme.
Não se trata, como muitos pensamos, imitação da atriz, mas, sim, fazer-se tal qual a atriz.
Introjetar-se na vida dela.
A introjeção é como uma máscara, uma fantasia, um mecanismo de disfarce do ego.
A pessoa introjeta-se na vida dos heróis, dos artistas, dos destaques da mídia, de amigos, de professores etc., aos quais ama e com quem se identifica, “aceita” ser parecido com eles. Assume-lhe a forma, os hábitos, os traquejos e trejeitos, o modo de falar, de andar, de vestir-se, das ideias e de comportar-se…
Essas “adoções”, decorrentes da identificação, resultam de vínculos mais fortes, cujas raízes jazem no inconsciente, que, geralmente, levam a que se adote comportamentos de pessoas, líderes, personagens da vida cotidiana, de filmes, novelas etc.
Fazer-se em outra pessoa aquela quem gostaria de ser, é abandonar quem se é, e não considerar quem pode e deve ser.
Constata-se, quando de mais aprofundada análise, que as personagens adotadas por essa identificação, em boa parte dos casos são especialmente as mais infelizes, ou seus comportamentos os mais desalinhados.
Tais mecanismos de fuga, apesar do momentâneo prazer que dispensam, terminam por alienar o ser, desidentificando-o de si mesmo.
William James, filósofo e psicólogo americano e o primeiro intelectual a oferecer um curso de psicologia nos Estados Unidos, nos diz que quando duas pessoas se encontram há, na verdade, seis pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é.
As ilusões e os engodos se estruturam como crenças e valores pessoais, e passa à posição de realidade pessoal, e leva a distanciar-se cada vez mais da legítima Realidade.
A identificação se dá com a concordância de ideias que lhes sejam convenientes, o que permite adaptar-se-lhes e incorporá-las, o que deforma a personalidade, e esta irrealidade termina por afetar-lhe a individualidade, que passa a se ver deslocada no meio em que vive, com as pessoas com quem convive, em conflito consigo mesma. Afinal, se faz quem não é, vive aonde e com quem não conhece a fantasia, apenas o fantasiado.
A necessidade premente que cada um de nós tem é a de assumir a realidade interior, a nossa própria identidade, em harmoniosa combinação entre o que se é e o que deve buscar ser, com equilíbrio emocional, exercício continuado de autodescobrimento, e eliminar ilusões em todos os seus aspectos, qualquer que seja sua manifestação.
A realidade única não é uma ideia e sim uma entrada para uma forma completamento nova de participar da vida.
A ação desidentificadora com a ilusão pede urgência.
Empenhar-se no despertar da consciência para a lucidez.
Não se fala em deixar de gostar de certa cor, de certo traje, de tal alimento, dessa pessoa ou daquele lugar.
É viver quem é e não quem imagina ser, menos ainda como os outros queiram que sejamos.
A potencialidade de nossa consciência vai muito além dos simples estados de acordado, dormindo, sonhando.
A consciência é tudo o que muda na jornada, que vai da separação em direção à Realidade legítima.
Só é necessário acordar com lucidez desperta!
Para que possamos desenvolver nossa originalidade, sendo seres que buscam com autenticidade a própria evolução, deveremos ser constantes em todos os aspectos, e optar por cancelar a união com tudo o que realmente não for nosso.
Sejam elas características pessoais, de religião, ou até as partidárias, que a cada ano se tornam mais difíceis de identificar qual a real característica que pregam, por influências subliminares apresentadas à nossa sociedade.
Todas essas são importantes demais para serem deixadas de lado sem observá-las em profundidade.
Reagir! Identificar-se com novos hábitos, ansiar e trabalhar por conquistas de outros níveis, nos quais imperem o bem-estar e a paz, como oportunidade de uma nova natureza, com nova significação à vida e ao viver.
Mudar hábitos mentais, cultivar novas ideias, substituir as ideais perturbadoras por outras saudáveis.
A realidade muda junto com a nossa mudança.
Nenhum aspecto da vida é imune à transformação.
Já ouvimos falar de que é preciso que nos amemos a nós mesmos, a fim de sabermos amar o outro.
A criação de algo novo é consumado pelo intelecto, mas despertado pelo instinto de uma necessidade pessoal. A mente criativa age sobre algo que ela ama.
Amemo-nos, portanto, e nossa permanência nessa experiência fará com que se manifeste nova força criativa, que levará a que (desenovelemos) nossa consciência de impedimentos psíquicos.
Asim abrir-se-á para nós mais amplas descobertas nas áreas das identificações nobres, que diluirão aquelas doentias, como pântano que se transforma sob a ação do sol, o qual passa a influenciar pela abertura de clareira com e remoção de calhaus e tudo o que alimentava a estagnação e facilitava o lodo, transmutado se faz ambiente equilibrado.
Uma experiência que toque o nosso coração torna o significado muito mais pessoal.
O significado existencial é fundamental. Vida sem significado é qual mapa sem indicação de rotas.
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Carl Gustav Jung foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço, criador da psicologia analítica. Seu trabalho tem sido influente na psiquiatria, psicologia, ciência da religião, literatura e áreas afins.
Dentre suas afirmativas, reunimos aqui algumas que nos auxiliarão nas reflexões do momento:
Nós não podemos mudar nada sem que primeiro a aceitemos.
Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos.
O objetivo da individuação é nada menos que despir o self dos falsos invólucros da persona.
Antes de buscar a perfeição, devemos viver o homem comum, sem automutilação.
A questão não é atingir a perfeição, mas sim a totalidade.
Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade.
Eu não sou o que aconteceu comigo, eu sou o que eu escolhi ser.
Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro acorda.
O pêndulo da mente se alterna entre perceber e não-perceber, e não entre certo e errado.
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A vida é mais do que parece ser.
Pede-nos que despertemos para reconhecê-la sem véus e máscaras, e assim podermos vivenciá-la em clareza e plenitude.
A nossa grande conquista é sermos nós mesmos.
Para isso, qual Michelangelo, tirar de nós tudo que não era o Davi!
Ou ainda, conforme dito por esse mesmo Gigante das Artes, em outra ocasião: Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei.
Tiremos de nós o que não somos, para libertarmo-nos para a Vida em nossa verdadeira e real grandeza.
Tanto Davi como o anjo, antevistos por Michelangelo, já estavam na pedra de mármore.
O que somos e o que viremos a ser, encontra-se no âmago de nosso ser, e aguarda nossa iniciativa para livremente se manifestar no mundo, bastando que peguemos o martelo e o cinzel e trabalhemos para esse fim….
Rumi, pensador evolucionista do século XIII, nos deixou os questionamentos:
Por que você fica aprisionado, quando a porta está tão aberta?
E você? Quando vai começar aquela longa jornada para dentro de si?
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Desperte em seu íntimo a força que está gravada por todas as experiências as quais já provou.
Modificando o seu modo de enxergar a você mesmo, seus olhos terão alcance em ver o próximo de maneira totalmente diferente, pois já não será ele o reflexo daquele Eu antigo que você trazia em si mesmo.
Vendo o mundo, a vida e os demais dessa nova maneira, sintetizará em cada um e em todos o direito de serem autênticos, pois você não mais os julgará, por estar preocupado em manter sua conduta nova, que tanta felicidade lhe traz.
Modificações levam transtornos para tão longe, que nas mais das vezes, eles nunca mais se apresentam como se tivessem sido parte de nossas experiências.
Muita vontade dirigida pela intenção do Amor, desnuda o indivíduo de tal forma, que reconhecer-se agora como ele mesmo, fica difícil para aquele que ainda traz na lembrança o que foi.
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Projeto INOVE – a vida sob um novo prisma
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Esse o nosso grande desafio de aprendizado. Conhece-te a ti mesmo!! Valeu!!!