ONDE HÁ UMA VONTADE, HÁ UM CAMINHO

Os dois amigos se encontraram num dos caminhos do arborizado parque da cidade.

Com alegria, abraçaram-se, pois há muito não se viam.

Caminharam juntos, trocando impressões sobre assuntos variados.

Fizeram uma parada para recomporem o fôlego, quando João comentou com Augusto: – Sabe, foi uma feliz coincidência encontrá-lo aqui. Saí para uma caminhada a fim de espairecer um pouco, pois a minha má tendência à impetuosidade tem me trazido muitos problemas no seio da família e, também, no trabalho. Você, desde que nos conhecemos, se apresenta mais comedido, mais controlado, mais tranquilo. Quem sabe possa me ajudar…

– João, meu amigo – falou Augusto -, estou inteiramente à sua inteira disposição. Como disse o notável poeta Khalil Gibran “que o melhor de vós próprios seja para vosso amigo”.

– Sim, me recordo desse poema – arrematou João -, que, se bem me lembro continua assim: “o papel do amigo é de encher vossa necessidade, não vosso vazio. E na doçura da amizade, que haja risos e o partilhar dos prazeres. Pois no orvalho de pequenas coisas, o coração encontra sua manhã e sente-se refrescado”.

Sorriram em reconhecimento ao bom momento e dirigiram-se a banco próximo, abrigando-se em sombra refazente.

Adiantou-se Augusto, indo direto ao ponto.

– João, disse ele, falemos mais amplamente sobre más tendências como você mesmo disse, e não somente em impetuosidade. Observemos:

Todos podemos vencer nossas más tendências, bastando para isso nos dispormos ao feito, com vontade determinante.

O conflito existe quando há, de fato, uma luta real entre diferentes partes da personalidade. É um estágio em que se reconhece a complexidade em que se vê e se deseja superar o conflito, mas é incapaz de fazer isso sem ajuda.

Não confundir o conflito em si com as polaridades e a ambivalência. A ambivalência é a oscilação entre dois extremos, dois polos, duas opções, em que você se esforça para se livrar de um dos extremos (como o exemplo da impetuosidade); é a sua hesitação entre os dois.

Vivemos num mundo de polaridades: impetuosidade e cautela, amor e ódio, atividade e passividade, luz e sombra etc. Muitas vezes a preguiça, a relutância em agir ou a dificuldade em fazê-lo, geram essa situação, que constrange mesmo quando se quer mesmo sair desse estado indesejado.

O perfeito homem do mundo seria aquele que jamais hesitasse por indecisão e nunca agisse por precipitação, anotou Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX.

Por isso a posição da vontade como elemento remodelador.

Muitos dizem ‘eu quero’, mas é um ‘quero’ sem substância, que não foi dito pelo coração. Como comentou o poeta Carlos Drummond de Andrade: A minha vontade é forte, porém minha disposição de obedecer-lhe é fraca.

Temos que lidar com os conflitos reconhecendo as condições necessárias a satisfazer e o ‘preço’ a ser pago para se chegar à autorrealização.

Há um provérbio atribuído à sabedoria chinesa que diz: Onde há uma vontade, há um caminho.

É uma caminhada, mais ou menos longa, cheia de acontecimentos, de mudanças, de alternâncias, de júbilo e de sofrimentos, que constituem uma drástica transmutação e regeneração da personalidade. Atuação harmoniosa na remoção ativa dos obstáculos ao afluxo e operação da vontade superior que traz nova ordem mental, de modo contínuo.

Alexandre Herculano, um dos maiores escritores da literatura portuguesa de todos os tempos, fez um comentário muito oportuno que trago para nossa conversa: É erro vulgar confundir o desejar com o querer. O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os.

Porém, há que se considerar que a vontade, em si mesma, para se manifestar com a força e o poder que lhe foram atribuídos pelo notável físico, Albert Einstein, à ela se referindo nesses termos: Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade, pede lhe atendamos os seus pré-requisitos, que são formadores de sua têmpera.

A vontade não é apenas, e simplesmente, ‘força de vontade’, de acordo com a concepção geral. Inclui fases, todas necessárias à sua expressão completa e efetiva, à sua manifestação preponderante.

Falemos a respeito:

Tudo começa, como agora em nossa conversa, em percepção da situação existente e, a partir daí, o que se quer de fato.

Saber o que se quer é a meta consciente, o nosso propósito, a nossa intenção.

Sem objetivo consciente não pode haver vontade pura.

O objetivo – para onde a vontade será dirigida – deve ter avaliação positiva intensa. A ideia nova deve ser mais forte do que a anterior, a fim de levar à mudança.

Decidido o objetivo, vêm a intenção de alcançá-lo e a evocação da motivação para tanto.

A motivação nasce do reconhecimento da necessidade. Vejamos o exemplo de estarmos com sede. A sede (que é a necessidade manifesta) motiva-nos a ação de irmos em busca de água. A necessidade desperta a motivação.

Nessa etapa da configuração da Vontade, nem todos vão adiante rumo ao que querem, ou supõem querer. Somente aqueles que sentem a real e íntima necessidade de se por a caminho, confiante, resolutos. Há vontades que não sãos nossas e, por isso, não contam com nosso empenho sincero: médicos, pais, professores, patrão etc.

Kahlil Gibran ressalta esse aspecto em sua anotação: O importante para uma pessoa não são os seus sucessos, mas sim quanto os deseja.

Passo adiante nos pede deliberação, que é quando examinamos as condições, as circunstâncias, presentes e futuras, o comparativo entre o estado indesejado e o estado desejado, bem como mensuramos se a meta é alcançável.

Essa análise nos faculta a decisão, sabedores de que as escolhas envolvem responsabilidade perante nós mesmos e outras pessoas, conforme cada caso.

Avaliados os fatores envolvidos, caso tenham se apresentado suficientes e consistentes, claros e convincentes, mesmo que premidos por situações como enfermidades, se dá a nossa confirmação, quando estará presente nossa convicção não só do que queremos, mas do que precisamos fazer.

Interiorizamos o compromisso. Não mais promessa, compromisso. Essa afirmação precisa ser repetida e reafirmada com frequência, e manter ânimo vigoroso.

De modo bem espontâneo, desponta a fase do planejamento, pedindo-nos visualizar o resultado almejado, antevendo o caminho (do início ao fim) com sensatez, identificando tarefas, recursos, organizando a sucessão dos passos, estabelecendo tempo.

Concentrados no resultado desejado, não no ‘processo’ exclusivamente, separando o que realmente queremos do que achamos que devemos fazer para conseguir o que queremos – alvo do planejamento -, surge a direção da execução nos apontando o vir a ser e nos convocando a nos pormos no trabalho realizador, com foco, determinação, perseverança, continuidade, persistência, paciência e resiliência.

Quando falamos em visualização constante do resultado, estamos evocando o poder enorme das imagens, com seu dinamismo, com sua vida, com seus sons, com suas cores. Quanto mais detalhado, vivo, for a antevisão do resultado desejado, maior seu efeito na reimpressão dos valores internos a serem transmutados, desde a nossa largada inicial, desde o nosso ponto de partida, fomentando ânimo e coragem, revigorando forças durante a jornada. Sabendo onde queremos chegar, qualquer desvio que identifiquemos em nosso mapa mental, agiremos no ajuste do curso (feedback), mantendo a direção, inibindo ou descartando obstáculos reais ou imaginários.

Nesses rápidos comentários, alinhavamos o que permite se manifeste como vontade construtiva, que é forte, perseverante e criteriosa.

Aflorada essa vontade, desponta-se o caminho.

Por sua vez, o antigo sábio chinês, Lao Tsé, nos faz um destaque importante: Aquele que conserva o seu caminho tem vontade.

A vontade tira os véus e vemos o caminho, porém precisamos conservarmo-nos no caminho, fazendo uso dessa vontade continuamente, pois só há caminho se houver caminhante caminhando sempre.

– João – prosseguiu Augusto -, você quer, você pode, há um caminho. Faça, realize! Também podemos resumir o convite em: Atitude. Para que uma atitude não seja fruto de precipitação ou impetuosidade, pede demorada e amadurecida observação, dentro e fora de nós, até que observador e observado estejam em harmonia e identidade.

– Lembrei-me de uma historieta, João.

*

Cheng era o discípulo de um sábio monge, de nome Ling.

Um dia, quando Cheng acreditava estar pronto para assumir a condição de liderar seu povo, foi conversar com seu mestre, que lhe disse:

Observe este rio. Qual a importância dele?

Eles se encontravam no alto de uma montanha.

Cheng observou o rio, o seu vale, a vila, a floresta, os animais e respondeu:

Este rio é a fonte do sustento de nossa aldeia. Ele nos dá a água que bebemos, os frutos das árvores, a colheita da plantação, o transporte de mercadorias, os animais que estão ao nosso redor e muito mais.

 Nossos antepassados construíram estas casas aqui, justamente por causa dele. Nosso futuro também depende deste rio.

O monge Ling colocou a mão na cabeça do discípulo e pediu-lhe que continuasse a observar.

Os meses se passaram e o mestre procurou Cheng.

Observe este rio. Qual a importância dele? – Repetiu a pergunta ao discípulo.

Este rio é fonte de inspiração para nosso povo. Veja sua nascente: ela é pequena e modesta, mas com o curso do rio, a correnteza torna-se forte e poderosa. Este rio nasce e tem um objetivo: chegar ao oceano, mas para lá chegar terá de passar por muitos lugares e por muitas mudanças. Terá de receber afluentes, contornar obstáculos.

Como o rio, temos de aprender a fluir. O formato do rio é definido pelas suas margens assim como nossas vidas são influenciadas pelas pessoas com as quais convivemos. O rio sem as suas margens não é nada. Sem nossos amigos e familiares também não somos nada.

 O rio nos ensina, ainda, que uma curva pode ser a solução de um problema porque, logo depois, podemos encontrar um vale que desconhecíamos. O rio tem suas cachoeiras, suas turbulências, mas continua sempre em frente porque tem um objetivo. Ensina-nos que uma mudança imprevista pode ser uma oportunidade de crescimento. Veja no fim do vale: o rio recebe um novo afluente e, assim, torna-se mais forte.

O monge Ling colocou a mão na cabeça do discípulo e pediu-lhe que continuasse a observar.

Os meses se passaram e novamente o mestre perguntou:

Observe este rio: qual a importância dele?

Mestre, vejo o rio em outra dimensão. Vejo o ciclo das águas. Esta água que está indo já virou nuvem, chuva e penetrou na terra diversas vezes. Ora há a seca, ora a enchente.

 O rio nos mostra que, se aprendermos a perceber esses ciclos, o que chamamos de mudança será apenas considerada como continuidade de um ciclo.

O mestre colocou a mão na cabeça do discípulo e pediu-lhe que continuasse a observar.

Os meses se passaram e o mestre voltou a perguntar a Cheng:

Observe este rio, qual a importância dele?

Mestre, este rio me mostrou que cada vez que eu o observo, aprendo algo de novo.

 É observando que aprendemos.

 Não aprendo quando as pessoas me dizem algo, mas sim quando as coisas fazem sentido para mim.

O mestre sorriu e disse-lhe com serenidade:

Como é difícil aprender a aprender.

Vá e siga seu caminho, meu filho.

*

– Meu amigo – concluiu Augusto -, todos podemos domar nossas más inclinações, bastam pequenos esforços, movidos por uma vontade construtiva. Vamos continuar caminhando para que os caminhos naturais não desapareçam? E enquanto caminhamos, agora, um pouco mais no parque, e nos dias vindouros, na busca do resultado desejado, recordemo-nos deste verso do Tao Te Ching:

 Aquele que conhece o outro é sábio.

Aquele que conhece a si mesmo é iluminado.

Aquele que vence o outro é forte.

Aquele que vence a si mesmo é poderoso.

Aquele que conhece a alegria é rico.

Aquele que conserva o seu caminho tem vontade.

 

Seja humilde, e permanecerás íntegro.

Curva-te, e permanecerás ereto.

Esvazia-te, e permanecerás repleto.

Gasta-te, e permanecerás novo.

____________

Projeto INOVE – a vida sob novo prisma

www.projeto-inove.com.br

contato@ projeto-inove.com.br

@PROJETOINOVI

Um comentário em “ONDE HÁ UMA VONTADE, HÁ UM CAMINHO”

  1. Uma das grandiosas lições da vida : vontade! Reflexões excelentes para nos ajudar a ter a nossa vontade no caminho escolhido. Obrigada. Abraços

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *