OLHOS DE VER …

Certa vez, um jovem perguntou a um mestre Ch’an (Zen é o nome japonês da tradição Ch’an, que surgiu na China por volta do século VII.) por onde deveria começar a estudar o Darma (Dharma, ou darma, é uma palavra em sânscrito que significa aquilo que mantém elevado, ou o comportamento adequado, ou alcançar a verdade e a compreensão da vida).

O mestre disse: “você ouve os pássaros cantando nas árvores e os grilos cricrilando na grama? Pode ver a água fluindo no riacho e as flores despontando nos campos?”

O jovem respondeu que sim.

O mestre concluiu, então: “É por aí que você deve começar a estudar o Darma”.

Com essa resposta, o mestre mostrou ao estudante duas coisas importantes: que é preciso utilizar a mente desperta para começar seus estudos e que os estudos devem se fundamentar no mundo real que existe à nossa volta. Se ouvirmos o mundo de forma receptiva, a mente desperta ouvirá a voz de iluminação no murmúrio de um regato, e os olhos verão o mundo do Darma em tudo o que contemplarem.

*

O Sutra da Mente Desperta diz: “Andando, o praticante deve estar cônscio de que está andando. Sentado, deve estar cônscio de que está sentado. Deitado, idem. O praticante deve estar cônscio de qualquer que seja a posição de seu corpo…” Temos que estar cônscios de cada respiração, cada movimento, cada pensamento e sentimento, de qualquer coisa que esteja relacionada conosco. (Sutra, do sânscrito, significa costurar, daí vem a palavra sutura. Trata-se de um ensinamento basicamente religioso em forma de texto, originário das tradições espirituais da Índia, particularmente do hinduísmo, do budismo e do jainismo.)

É ver que vemos, o que vemos, onde vemos, quando vemos, porque vemos.

É andar e saber dos passos, onde pisa, como pisa, para onde vai e porque vai.

O alimento que ingerimos á apreciado desde o momento da sua escolha.

O ar que respiramos é sentido e valorizado.

A palavra que dizemos nasce pensada e refletida.

O sorriso que damos retrata nosso real sentimento.

Cada pensamento, cada ação à luz da atenção plena se torna destaque e única naquele instante.

É viver plenamente cada momento, cada ato.

Se quisermos terminar logo o que estejamos por fazer para que, por exemplo, possamos ir tomar uma xícara de café, seremos igualmente incapazes de beber o café alegremente. Com a xícara de café em nossas mãos estaremos a pensar o que faremos a seguir, e a fragrância e o sabor do café, juntamente com o prazer de bebê-lo, serão perdidos.

Estaremos sempre atraídos pelo futuro, nunca capazes de vivermos o momento presente.

Ao dedicarmos atenção à alguma coisa, alguma circunstância, algum assunto, alguma pessoa, ali estaremos presentes.

Se desviamos atenção para outro ponto, saímos de onde estávamos.

A ausência de um, exclui o outro. Sem atenção, sem presença.

Por exemplo: pensemos em um de nossos pés. Escolhamos um dos dedos. Isso em mente, significa estarmos com a atenção dedicada ao dedo. Nossos sentidos voltados para ele. Simples assim.

Agora, mexamos esse dedo.

Acabamos de lançar mão da intenção em mexer o dedo e o fizemos. Ou seja, influenciamos a experiência inicial, e a modificamos.

Mente alerta, desperta e reflexiva, torna-nos conscientes de nossas escolhas e das mudanças que imprimimos em nossas experiências, com a simples intenção de fazê-lo.

Por sua vez, a atenção é como uma escuta profunda, que nos faz presentes perante nós mesmos a cada pensamento, sentimento e ação.

Atenção é exercício de profunda consciência, mesmo que por curto espaço de tempo.

A intenção é como um gatilho que acionamos e mudamos experiências.

Com as experiências físicas que nos dão os nossos cinco sentidos, que são nossas janelas de contato com o mundo exterior: tato, olfato, visão, audição paladar, e com as experiências mentais: pensamento, sentimento, emoção, imagem, entre outras, construímos nossa realidade cotidiana, de modo natural, espontâneo.

Sem esse preparo psicofísico, de nada adiantará lermos muito sobre qualquer assunto que nos leve a entender sobre nossa religação harmônica conosco mesmo, com o próximo, bem como com as esferas supremas da vida.

Se em nosso íntimo não houver o parâmetro comparativo do que é e do que deve ser a vida, e dedicarmos atenção disciplinada aqui sugerida, poderemos saber as doutrinas científicas, filosóficas e religiosas, de cor e salteado, que jamais elas descerão ao nosso coração, nos fazendo sentir como que parte integrada no Todo do Universo.

De maneira alguma seremos capazes de vivenciar conteúdos que transcendam o imediato e nos demonstrem que somos consciência que viaja pela eternidade, se não percebemos nem mesmo nosso cotidiano e nossa rotina.

Como desejar, entre tantas outras coisas que fazemos, amarmos o próximo, a vida, a natureza, se não somos sequer capazes de admitir que amamos à nós mesmos?

Quando colocamos a intenção em sentir cada uma dessas experiências, influenciamos a atividade perceptiva e a interpretação da percepção, e construímos a nossa realidade segundo a nossa vontade, não mais apenas apreciando o capricho dos átomos que elevam os maciços das Dolomitas, mas presentes com tal integração, que ouviremos o alegre cantar das folhas de uma árvore ao serem beijadas pela luz e calor do sol. Leremos nos olhos do ente amado sua manifestação de afeto e ouviremos do silêncio dos seus lábios o grito de felicidade por amar e sentir-se amado.

Nos espaços subatômicos, onde se movimentam as moléculas, ao invés do “nada” conseguiremos ver, sentindo, o “tudo de onde tudo provém pela manifestação do Todo”.

Do mesmo modo que o fluxo natural dos rios os leva ao mar, o fluxo de nossas vidas, se abrigadas pelos leitos da realidade essencial encontradas no sentido e razão das existências, nos conduzirão ao Grande Mar, onde não mais nos veremos apenas como gotas, mas como gotas que fazem parte do oceano.

Sentir é perceber com os olhos do coração – o segundo cérebro, segundo entendimento oriental que atravessa as eras -, sem divisar limites e fronteiras.

Trabalhar somente com o racional sobre algo é limitador, pois nos utilizamos do que já sabemos, do nosso próprio arcabouço de ideias, conceitos e teorias. É querer divisar novos horizontes, sem sair do sopé da montanha.

Onde estiver nosso interesse maior, ali estará nosso coração.

Onde estiver nossa atenção, ali estaremos presentes.

O Sol e a Lua dão espetáculos diários para o mundo, poucos os assistimos.

*

Familiares vivem sob o mesmo teto, nem sempre sendo família. Moram na mesma casa, mas não no mesmo lar.

Esposos vivem juntos, nem todos convivem entre si.

Pais estão com seus filhos ao lado, mas distantes do coração.

Às vezes estamos ao lado de alguém, viajando longe pelo pensamento.

Todos os filhos têm genitores, poucos têm pais.

*

Rotular, catalogar, conceituar algo é circunscrever aquilo ao resumido conjunto de palavras expressas. Precisamos ir ao encontro do espírito das letras, dos sentimentos, das coisas e dos acontecimentos.

Mente alerta, desperta e reflexiva, torna-nos conscientes de nossas escolhas e das mudanças que imprimimos, ou que devemos imprimir, em nossas experiências, pois as intuições se dão com maior ostensividade, as intenções mais assertivas e a superação dos próprios limites vêm naturalmente e com constância ininterrupta.

Damos passos decididos de quem sabe que o tempo é hoje e o momento é agora, mas haverá sempre um passo a mais a ser dado no caminho, pois caminho existe somente se houver caminhante em constante caminhada.

Por sua vez, a atenção é como uma escuta profunda, que nos põe presentes perante nós mesmos, a cada pensamento, sentimento e ação.

Portanto, atenção é exercício de consciência expandida, de mente desperta.

Por um momento ou por mais tempo, qual seja a experiência vivenciada, não quebra a atenção de nenhuma maneira.

A mente lúcida, controla suas emoções, usufrui do seu estado espiritual e aproveita de seu equilíbrio físico, permite-se experiências construtivas, refazentes, longe da superficialidade do fazer por fazer, mas fazer, porque sabe o que quer e porque quer.

Independente da realidade criada pelos outros, que insiste em se impor também como se nossa realidade fosse, saberemos como construir a nossa realidade pessoal, a viver no mundo, sem ser por este, dominados.

Imaginar é criar.

John Lennon sonhou um mundo melhor, que o desenhou na sua música: Imagine,

Imagine todas as pessoas

Vivendo a vida em paz

[…]

Imagine que não existe propriedades

Será que você consegue?

Sem ganância ou fome

Uma fraternidade do Homem

Imagine todas as pessoas

Compartilhando o mundo inteiro

Você pode dizer que sou um sonhador

Mas eu não sou o único

Tenho esperança de que um dia você se unirá a nós

E o mundo será um só.

Lancemos mão da intenção pura nesse sentido, e, mesmo sem mudar o mundo dos outros, mudemos, sim, o nosso mundo íntimo, nossa maneira de viver.

Podemos mudar nossas experiências.

Lemos em Brihadaranyaka Upanishad IV, 4.5:

O que for a profundeza do teu ser, assim será teu desejo.

O que for o teu desejo, assim será tua vontade.

O que for tua vontade, assim serão teus atos.

O que forem teus atos, assim será teu destino.

George Harrison, de sua maneira, cantou em sua música Give Me Love (Give Me Peace On Earth), seu sonho-sonhado e pessoalmente vivido, com a intenção de que o mundo de todos fosse embalado pelo seu sonho – pena que não acordamos para isso:

Dê-me amor

Dê-me paz na terra

Dê-me luz

Dê-me vida

Me mantenha livre como eu nasci

Dê-me esperança

Me ajude a lidar, com essa carga pesada

Tentando tocar e alcançar Você com

O coração e a alma.

Com nossa intenção pura, própria de uma mente desperta, alteremos nossas experiências vivenciais, caminhemos com identidade própria, liberdade e autenticidade, esperança renovada.

Toquemos o novo mundo que se revela pela nova significação que lhe damos, com coração e alma.

Tudo está na mente. É onde tudo começa. Saber o que queremos é o primeiro passo na direção de conseguir.

É importante perceber que o despertar depende de cada um de nós!

Encontramos nas anotações de Santo Agostinho: As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas, e, no entanto, elas passam por si mesmas, sem se admirarem.

Não importando o nome que se dê à tudo isso que nos ensinaram através das diversas formas de aprendizado em cada uma das culturas ao redor de toda nossa Terra, deixemos que as nossas emoções superiores fundamentem nossos sentimentos, derrubando todas as limitações que o separatismo intelectual crie e nos impossibilite de ser felizes.

Caminhemos rumo ao essencial, à essência da vida.

*

Rita Maidana – autora, gaúcha, escritora, figurinista e artista plástica autodidata, escreveu:

Sou Catador de Lindezas

Eu venho de lá, onde o bem é maior. De onde a maldade seca, não brota.

De onde é sol, mesmo em dia de chuva e a chuva chega como bênção.

Lá sempre tem uma asa, um abrigo para proteger do vento e das tempestades. Eu venho de um lugar que tem cheiro de mato, água de rio logo ali e passarinho em todas as estações.

Eu venho de um lugar em que se divide o pão, se divide a dor e se multiplica o amor. Eu venho de um lugar onde quem parte fica para sempre, porque só deixou boas lembranças.

Eu venho de um lugar onde criança é anjo, jovem é esperança e os mais velhos são confiança e sabedoria. Eu venho de um lugar onde irmão é laço de amor e amigo é sempre abraço. Onde o lar acolhe para sempre, como o coração de mãe.

Eu venho de um lugar que é luz mesmo em noite escura. Que é paz, fé e carinho. Eu venho de lá e não estou sozinho, “sou catador de lindezas”, sobrevivo de encantamento, me alimento do que é bom, do bem. Procuro bonitezas e bem querer, sobrevivo do que tem clareza e só busco o que aprendi a gostar.

Não esqueço de onde venho e vou sempre querer voltar. Meu lugar se sustenta do bem que encontro pelo caminho, junto a maços de alfazema e alecrim.

Assim, sou como passarinho carregando a bagagem de bondade, catando gravetos de cheiro, para esquentar e sustentar o ninho…

Talvez a vida tenha feito você acreditar que este lugar não existe. Te digo: tem sim, é fácil encontrar.

Silencie, respire, desarme-se, perceba, é pertinho… Este lugar que pulsa amor é dentro da gente, é essência, está em cada um de nós. Basta a gente buscar.

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