As Dolomitas são uma cordilheira nos Alpes da Itália, consideradas Patrimônio Mundial da Humanidade, pela UNESCO, desde 2009.
Até o final da primeira guerra mundial a região não pertencia à Itália, mas ao império Austro-Húngaro.
Em uma das suas cinco províncias, está Val di Funes, uma pequena região pertencente a Bozano, e é até difícil dizer qual dos lugares é mais charmoso e bonito.
Trata-se de um vale que fica em meio às Dolomitas e pode ser definido como um pedacinho da Itália que tem muito mais cara de Suíça ou de Áustria, tanto em relação ao cenário quanto à cultura local.
É lá que está o Vilarejo de Santa Maddalena, formado por casinhas coloridas e com arquitetura tipicamente germânica e tem cerca de 370 habitantes.
Ali, no inverno, tudo fica branquinho com a neve, desde os picos das altas montanhas, até as ruas e as casas.
No verão predomina o verde intenso das árvores, com o chão atapetado em extensas áreas gramadas, onde se misturam sobreiros, oliveiras e ciprestes, ou, em lugar mais alto, as faias, lariços e pinheiros.
As águas dos rios matizam suas cores ora de azul acinzentado, ora de verde cristalino, em outros momentos, quando mais próximos das margens arborizadas, resplandece a cor de safira verde.
Os recantos bucólicos e aprazíveis, ao redor dos lagos que fascinam os visitantes no verão, abrigam as famílias aos domingos, que se reúnem para o descanso, e aproveitam o dia para confraternizar em longas conversas – lunghe conversazioni, ou melhor, lange Gespräche, afinal, mais de 75% da população da região até hoje fala o alemão.
Nesse panorama quase mágico, vamos encontrar Giuseppe, de família local, que trabalha em Bolzano, cidade próxima, como professor, e Francesco, jovem aldeão local, que cursa a faculdade de Psicologia, na universidade de Trento, e ali está em férias.
Em dado momento, a conversa entre os dois voltou-se para os estudos de Francesco, e foi quando ele comentou ter tomado contato com as lições de Bert Hellinger, dentre as quais a Constelação Familiar, que muito o agradava, apesar de não ser de fácil compreensão.
Giuseppe aproveitou a deixa e disse a Francesco: – Há uma frase de Hellinger que despertou em mim motivo de boas reflexões existencialistas: “Quanto mais nos desviamos do essencial, tanto mais irrequietos, desatentos e confusos nos tornamos”.
– Você a conhece? Perguntou Giuseppe.
– Sim, respondeu Francesco, mas apreciaria conhecer algumas de suas considerações a respeito.
– Considere que são comentários de alguém que não tem a sua formação, adiantou Giuseppe. Colho observações pessoais e as analiso para meu consumo próprio.
Analiso em conjunto as observações de Hellinger, com postulações de Maslow, para trazer aqui, em nossa fala, Francesco, apontamentos inerentes aos seus estudos e facilitar entendimentos.
De modo bastante didático, Maslow (Abraham Harold Maslow, psicólogo americano) classificou e elencou conjunto de necessidades humanas que todos buscamos satisfazer.
Ele o fez segundo uma hierarquia, que ficou conhecida como a Pirâmide de Maslow.
Ele descreve quais são as mais básicas (base da pirâmide) e as mais elaboradas (topo).
As necessidades de base são aquelas consideradas necessárias para a sobrevivência diária, enquanto as mais complexas são necessárias para alcançar a satisfação pessoal, no âmbito mental-emocional.
Sem nos determos em maiores detalhes, se vê na base a necessidade geral da sobrevivência que requisita comida, água, respiração, sexo, que, por sua vez, indica, um estágio acima, a necessidade da segurança do corpo, da família, da saúde, entre outras.
A busca e a experiência no atendimento dessas necessidades, conduz os relacionamentos familiares, de amizade, por exemplo, para um nível afetivo.
Esses três aspectos têm seu centro de atenção deslocado para o exterior do ser, com questões e demandas do dia a dia vivencial no meio em que se vive e com as pessoas com quem se relaciona. No seu entorno.
Todavia, no esforço de supri-los, o indivíduo vai cada vez mais vai em direção, agora, ao seu interior, com manifestações de sentimentos de autoestima, confiança, respeito dos outros e ao outros, os quais delineiam e fazem sentir a realização pessoal.
Segue seu aprofundamento em si mesmo, o que motiva o ser a ir em conquista de novos estágios de despertamento da consciência.
No estado psicológico que já alcançou, a espontaneidade, a criatividade, a seleção de princípios existenciais, a entrega para emoções superiores, se fazem sua identidade, o que leva a aceitação dos fatos da vida com maturidade e proatividade, e a solução de problemas se dá com maior assertividade.
O exercício continuado, simultâneo ou a junção desse com aquele aspecto das necessidades do ser, o levam, paulatinamente, a autorrealização, ponto culminante do estado de ser, fruto do empenho ascensional, que reúne valores e desvela emoções superiores.
Tenhamos olhos para observar, Francesco, que desde o despertar dos sentimentos de afeto com a família, amizade e outros, até o ápice da Pirâmide, são características muito singulares de cada um que então se manifestam e lhe dão particularidades em individuação, e fazem dele um ser único.
Aí, o centro das manifestações deslocou-se do exterior para o interior do ser, donde passa a comandar o todo que lhe diz respeito: “dentro” e “fora”.
Se estabelece um novo e autêntico centro unificador das aspirações, realizações, potencialidades, competências, habilidades de todos nós.
A sensibilização essencial de seus sentimentos está representada, no modelo de Maslow, na convergência das satisfações diversas em direção a um ponto central (não final e absoluto) – a autorrealização (que se dá na essência do ser).
Esse estado de ser passa a sustentar o eixo em derredor do qual a nova personalidade, construída e tantas vezes reconstruída, passa a girar.
Não é fora, mas é dentro do ser que tudo se passa e onde deve acontecer. Em síntese primordial: no coração.
No dizer de Carl Jung: “Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para o seu próprio coração. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.”
– A felicidade nasce nessa caminhada, perguntou Francesco.
Giuseppe, assentiu e disse: – Para Maslow, a felicidade está diretamente ligada à satisfação das necessidades ilustradas na hierarquia da pirâmide. Ou seja, é necessário que o indivíduo satisfaça os níveis mais altos da pirâmide para atingir sensações de triunfo e realização, ao encontro de sua essência, do seu Espírito.
A autorrealização, inclusive, é por ele definida como “o impulso de elevar o próprio potencial ao máximo, em busca de uma expressão genuína de sua essência”.
É o autoencontro com a natureza humana em sua real grandeza.
A pessoa autorrealizada age com equilíbrio e promove o bem-estar e o desenvolvimento das pessoas à sua volta, como pura manifestação da fraternidade, da solidariedade, valores humanos universais.
Aquilo com o que nos identificamos, passa a fazer parte de nós, não é mesmo Francesco?
Este nosso momento, nosso diálogo, o ambiente fraterno e familiar, a paisagem deslumbrante, ficarão em nós para sempre!
Mas continuemos, disse Giuseppe: – Alcançar o ser consciente, descobrir os objetivos essenciais da existência, torna-se, inclusive, uma psicoterapia preventiva, trabalhada pelo autoconhecimento – que desvela horizontes novos, reais e alcançáveis.
O despertar da consciência também manifesta uma natureza curadora, por ensejar processo de reorientação de objetivos e reparação de conflitos e sofrimentos resultantes da busca equivocada da posse ou da não posse, até então tidas como objetivo essencial do indivíduo.
Lembra-se, Francesco, da referência de Hipócrates, que assim sublinhou: “Tuas forças naturais, as que estão dentro de ti, serão as que curarão suas doenças”?
A mente desperta “acorda” o nosso “deus interno”.
Decorrente dessa análise, Francesco, feita em relação ao encontro com a essência (tema também abordado em nosso outro artigo com esse título e já publicado), precisamos ressaltar que todo cuidado é necessário para que, nossa nova proposta de ser, não nos impeça de sermos felizes e termos disposição para felicitar os demais em cada estação da nossa jornada.
A jornada é ascensional, sacrificial até, mas não de sofrimentos.
Atenção, portanto, Francesco, em relação aos valores que realmente guiam as nossas vidas…
Nas minhas reflexões, meu amigo, esse alerta sobre os valores reais, me levou a aceitar a necessidade de me desapegar dos desvalores.
Comecei por remover as máscaras que nos infelicitam, usadas pela conveniência de cada circunstância no dia a dia existencial, em detrimento da nossa autenticidade.
O fingimento nos desidentifica de nós mesmos.
Observei que o vazio existencial é fruto da exclusão, do descarte daquilo, feito por nossa escolha, que nos enriqueceria de substância plenificadora, e nutriria a alma e nos fortaleceria para os embates evolutivos.
Porém, muitos ainda valorizamos o secundário em detrimento do primordial.
Concluí que se reverte esse quadro com a revisão da vida e do tempo; ao dar utilidade ao tempo e ressignificar a vida, valorizá-la e valorizar-se com um viver voltado para o bem-estar, onde, inclusive, o próximo pede (o que é devido) lhe seja devotado o mesmo valor que devotamos a nós mesmos.
Isso é respeito à vida!
Descobri que sentimento de segurança se estabelece com um construto de caráter que prima pelo bom, pelo justo e pelo nobre.
Ciente de que não somos o que nos acontece, mas, sim, somos o que escolhemos ser, nosso existir deve se legitimar por acontecer segundo nossas próprias e lúcidas escolhas, e não se permitir existir como um subproduto das escolhas alheias.
Ter opinião própria das coisas é fundamental para se dirigir rumo ao vir a ser.
Aprendi e adotei, para melhor oxigenar e flexibilizar ideias cristalizadas, praticar regularmente a meditação, e me permitir silenciar, desligar-me de tudo o mais que não seja focar em mim mesmo, dando-me momento só meu, em que me dedico a elevar a minha capacidade de sentir e minimizar meu pensar.
O ideal do ser humana é ser humano!
– Eu vislumbro, Giuseppe, comentou Francesco, que esse ideal humano só é alcançado ao se permitir transcender o pensar para o sentir, o material para o espiritual.
– Sim, Francesco, sua observação é oportuna.
A autorrealização, a individuação, a plenitude alocada por Maslow no ápice da Pirâmide que hierarquiza as necessidades humanas, conforme a sua Teoria da motivação humana, é alcançar a expressão genuína de sua essência: reconhecer que há o Espírito! – o ser pensante – e reconhecer-se Espírito que é, e passar a viver a realidade imortalista.
O empenho natural que deve receber nossos melhores esforços é o de formação ou reconstrução da personalidade em torno desse novo centro unificador de valores, interesses, paradigmas, objetivos, realizações, melhorias, mudanças e demais elementos formadores de uma nova personalidade coerente, organizada, capaz de conformar um existir com equanimidade de princípios felicitadores, aplicados ao Espírito, à mente, ao corpo e ao coração.
É se permitir tocar (e mudar) o imo d’alma, ou seja, no coração.
– Francesco, continuou Giuseppe, visualize, para efeito de raciocínio, uma escada com seus vários degraus, onde o primeiro é a base da Pirâmide de Maslow, que reúne as necessidades bem básicas para a sobrevivência humana.
Nos degraus acima, localize os demais estágios naturais da satisfação dos homens, cuja ascensão se dá, como sabemos, por escolha e esforço pessoal.
Agora considere um contingente de seres que insistem em não só permanecer no primeiro degrau, mas também desconsiderar e negar os degraus seguintes.
E mais: criam ali uma segunda natureza, ilusória e intensamente descaracterizada, onde tudo se resume na busca do prazer pelo prazer.
Comprar, consumir, usufruir, gozar são palavras de ordem para esses.
Desvirtuamento dos valores humanos, do sexo, das relações interpessoais, dos compromissos éticos, é o que consideram “normal”.
Para esses não há escala ascensional. Se locupletam com o mínimo e se imaginam o máximo.
Vivem um mesmismo, sem identidade, sem se deterem nos sentimentos humanitários, mas dão o tempo e a vida, suas melhores energias, em buscar e fruir as sensações mais primárias, apenas, e, contrário ao que consideram ser satisfação humana, se deixam coisificar.
São os que perderam o endereço de si mesmos.
Alheios e desviados do essencial, se apresentam irrequietos, desatentos e confusos, segundo Bert Hellinger.
Vamos, isso sim – digo isso para mim mesmo, Francesco -, dispor de nossas melhores energias, com todo nosso empenho, a fim de fazer valer e poder sentir a natureza humana, legítima, saudável, harmoniosa, plenificadora.
Cada ação evolucionária é uma pedra que reveste a estrada que nos levará ao encontro de nossa essência, estado consciencial que então se abre para sentirmos nossa integração com o Todo, bem como parte que somos, agora então em pertencimento à Consciência Cósmica.
– Sim, Giuseppe, interveio Francesco, bem viver é mais do que estar vivo. Não basta apreciar o reflexo do sol nas águas verdes do lago à nossa frente. É preciso ter olhos para reconhecer a fonte da luz – o Sol.
Não adianta somente reconhecer que pensamos, mas, principalmente, que somos seres pensantes; que não somos nossos pensamentos, nem mesmo nosso corpo. É preciso reconhecer que somos a consciência que a tudo observa.
Nossa meta primeira seja o desenvolvimento da personalidade que liberta as pessoas dos problemas decorrentes da deficiência no crescimento espiritual e na vida…
A mim me foi esclarecedora suas reflexões também pelo aspecto da espiritualidade que, no geral, achamos que é assunto circunscrito as religiões, quando vemos notáveis pensadores da área da ciência, especialmente da psique humana, apontando essa realidade do Espírito (mesmo que em linguagem própria das academias), da qual muitos fogem ou deixam de lado.
– Sim, meu amigo, a questão espiritual aqui tratada, tem seu sentido objetivo dentro da experiência religiosa, assim como seu significado pode transcender para abranger todos os estados de consciência, todas as funções e atividades que têm como denominador comum a posse de valores transcendentais, conhecidos, mas pouco vividos: estéticos, éticos, heroicos, humanitários e altruístas – próprios da essência do ser.
Francesco, deixe-se ser aquilo para o que você aqui está! E vamos “voltar à Terra” e nos juntarmos aos nossos familiares, pois o lanche está servido e, a propósito, também de pão vive o homem…, disse Giuseppe sorridente.
Distendeu a mão e ajudou Francesco, ainda sentado, a se levantar.
E seguiram juntos…
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