E um homem disse: – Fala-nos do conhecimento de si próprio.
E ele respondeu dizendo:
-Vosso coração conhece em silêncio os segredos dos dias e das noites.
Mas vossos ouvidos anseiam por ouvir o que vosso coração sabe.
Desejais conhecer em palavras aquilo que sempre conheceste em pensamento. Quereis tocar com os dedos o corpo nu de vossos sonhos.
E é bom que o desejeis.
A fonte secreta de vossa alma precisa brotar e correr, murmurando, para o mar. E o tesouro de vossas profundezas ilimitadas, precisa revelar-se a vossos olhos.
Mas não useis para pesar vossos tesouros desconhecidos e não procureis explorar as profundidades de vosso conhecimento com uma vara ou uma sonda.
Porque o Eu é um mar sem limites e sem medidas.
Não digais: – Encontrei A verdade. Dizei de preferência: – Encontrei uma verdade.
Não digais: – Encontrei o caminho da alma. Dizei de preferência: – Encontrei a alma andando em meu caminho.
Porque a alma anda em todos os caminhos.
A alma não marcha numa linha reta nem cresce como um caniço.
A alma desabrocha, qual um lótus de inúmeras pétalas.
(Gibran Kalil Gibran. Livro: O profeta)
*
O objetivo essencial da vida humana é facultar ao ser o desenvolvimento de todas as suas potencialidades adormecidas – o deus interno — tornando-o pessoa, uma individualidade que pensa, um ser em harmonia entre o pensar e o sentir. Esse processo não é automático como ocorre com os seres vegetal e animal, mas dependente das escolhas, da lucidez, das aspirações e dos esforços empreendidos, que são resultados das conquistas já conseguidas na sucessão dos dias bem aproveitados.
Entretanto, em face da rapidez dos momentos modernos, não se apresentam oportunidades para amadurecimento das emoções, para escolhas corretas, para meditação e para reflexões e ponderações significativas. Os indivíduos são devorados pela volúpia do muito agarrar e do pouco reter. Há uma sofreguidão para aparecer (e aparentar mais que os outros), uma necessidade desesperadora para estar em todos lugares ao mesmo tempo, tombando na exaustão e levantando-se sob estímulos químicos ainda mais frustrantes.
Vitimado, em si mesmo, o indivíduo, que perdeu o contato consigo mesmo, exaure-se com sua personalidade insatisfeita, exigente e pouco gratificante, preocupando-se em ser espelho que reflete outras pessoas, suas opiniões, seus aplausos, suas desmedidas ambições. É imagem que externa quem não é.
Aumenta-lhe a necessidade psicológica de esconder o sentimento e exibir a aparência, sobrecarregando as emoções com desaires e amarguras que procura dissimular no convívio com os demais até quando já não mais o consegue.
São dias de utopia, nos quais se vale pelo que se apresenta e não pelo que se é. Pelo que se tem – ou se aparenta ter – e não pelo que se deseja ser.
Os ideais que dignificam e trabalham as forças normais cedem lugar aos prazeres ligeiros e frustrantes que logo abrem espaço à novas mentirosas necessidades.
Compreende-se a necessidade das conquistas externas, que se torna uma forma de autorrealização, e afadiga-se a criatura por consegui-las, para logo constatar a sua quase inutilidade, por não preencher os espaços tomados pela angústia e pelas incertezas. Transforma seus dias e seu tempo mental numa correria atrás do que não tem, sem valorizar o de que já disponha.
Como se apoia nos outros, sua falta de metas, de objetivos, que assalta a consciência, dá lugar a indivíduos psicologicamente vazios.
Esse vazio existencial, de certo modo, também se deriva do tédio, da repetição de experiências que não se renovam, da quase indiferença pelas demais criaturas, sugerindo a inutilidade pessoal.
Desse modo, avança-se para um sentimento perturbador que se apresenta como um vazio coletivo que se estabelece na sociedade.
Em tentativas inúteis de o preencher, realizam-se as festas alucinantes, volumosas, arrastando as multidões tresloucadas e ansiosas, que se esgotam no prazer anestesiante, para depois despertar no mesmo estado de vácuo interno, agora com os conflitos e culpas das loucuras perpetradas, algumas de difícil reparação.
Exige-se que todos se encontrem em intérmino banquete de alegrias, fingindo conforto e bem-estar nas coisas e situações a que se entregam, distantes embora da realidade e dos verdadeiros significados existenciais.
Negando-se as qualidades do bem e da paz, no intuito exclusivo do desfrutar, do tirar proveito de tudo, seres de todas as idades entregam-se à drogadição, em busca do êxtase que logo passa trazendo-os à realidade decepcionante e enfermiça. O desencanto, que se lhes instala, de imediato deve ser diminuído no tempo e no espaço, facultando-lhes buscar novos estimulantes ou entorpecentes para esquecer ou para gozar.
Esse vazio, portanto, não significa ausência de significados internos, de valores adormecidos ou ignorados, mas, sim, a incapacidade que toma conta do indivíduo, sugerindo-lhe impossibilidade ou inutilidade de lutar contra a maré das dificuldades, permitindo-se uma resignação indiferente, um alheamento, como mecanismo de autodefesa, que se transforma num grande vácuo interno.
A pouco e pouco, porque se adapta à nova conjuntura, perde o interesse pelo desejar e pelo realizar, ficando amorfo, sem tempero, embora com aparência que corresponde aos padrões sociais, por mínima exigência do ego soberbo e rebelde.
Perdido o respeito pelo grupo social e suas instituições, logo depois perde-o por si mesmo, deixando-se arrastar para profundos conflitos de inutilidade e de depressão.
O vazio existencial consome o ser e atira-o na depressão, empurrando-o para o suicídio.
“Melhor morrer de vodca do que de tédio”, palavras encontradas no perfil do estudante da Unesp, morto por ingerir uma quantidade absurda de vodca na festa da faculdade, como largamente noticiado pelos meios de comunicação, soam como um grito de alerta e de pedido de socorro.
Enquanto não se preencher o vazio interior permanecerá o indivíduo insatisfeito, deprimido ou agressivo.
A falta de objetivo real e nobre para a existência física deixa um profundo sentimento de frustração, responsável por vários fenômenos perturbadores.
É necessária uma madura e profunda reflexão sobre a vida, o viver e seus objetivos superiores, com decisão corajosa a respeito de nós mesmos, identificando as razões das nossas buscas, perdas e inquietações.
Façamos uma parada nessa correria desenfreada para lugar nenhum, e consideremos a vida uma oportunidade de sorrir e produzir, descobrindo-nos útil a nós mesmos e à comunidade.
A proposta não é um rompimento pura e simplesmente com tudo e com todos que até então povoaram a cidade de nossas ilusões perdidas. Isso redundaria em solidão, outra estrada perigosa. Transformar não é destruir, é modificar.
O mar pergunta ao rio: porque nunca andas em uma linha reta?
O rio calmamente responde: aprendi a superar os obstáculos para atingir meu fim – chegar ao teu encontro.
A principal medida é buscar novos e reais valores existenciais, que venham a nortear nossa nova maneira de ser. Busquemos novos rumos.
O alpinista, após escalar uma grande montanha, foi indagado:
– Como conseguiu tal façanha?
– De fato, para escalar essa montanha precisei além de muito preparo físico, muita perseverança e muita sabedoria para saber os momentos em que eu deveria parar ou prosseguir, fazendo, assim, boas escolhas.
– Mas o que foi mais decisivo?
– Não perder de vista o topo da montanha…
A pessoa humana está inserida em uma constante tensão existencial, aquela que representa por um lado o “ser” e, por outro, o seu “dever ser”.
Quando se perde essa tensão, o ser humano é acometido por uma sensação de tédio e de vazio existencial, como vimos nos parágrafos anteriores. Assim, as reflexões apontam para a importância em se ter uma direção na vida, uma meta que possa ser digna de ser atingida e que se constitua como um fim em si mesmo. Que alimente e preencha nosso ser, o que realmente somos e nos dê forças para virmos a ser o que queremos.
Enfim, olhar e viver a vida sob um novo prisma.
O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza, conforme Voltaire.
Entendendo-se trabalho como toda atividade útil, transcende seu significado para além de busca somente pela contrapartida financeira.
O trabalho é lei natural da vida. O trabalho profissional faz parte dessa equação, mas não é tudo.
Precisamos de algo além da ocupação mental focada somente no dinheiro, cuja postura, se fixada na estreiteza dessa prática somente, nos levará para outros lados também atormentadores e igualmente vazios de satisfação plena. O consumismo, ao invés de satisfazer, alimenta a angústia para se ter mais e outras coisas.
O iniciado pergunta ao seu Mestre: Qual a mais bela paisagem do mundo?
O Mestre pede que o iniciado o leve à aldeia mais pobre da redondeza e diz: Eis aqui o lugar mais belo do mundo.
O discípulo logo indaga: Mas como pode, Mestre, aqui não há esgoto, nem água corrente e as pessoas estão doentes.
Ao que Ele responde: A paisagem mais bela é aquela na qual um ser humano se solidariza com o seu próximo.
E outra ilustração:
Mas como saberei se estou pautando a minha existência de uma forma adequada? O monge pergunta ao seu Mestre.
– Saberás quando o amor for o princípio, o meio e o fim de tuas ações no mundo, respondeu ele
Caro leitor, estimada leitora.
Você é viajor das estrelas, mas é você mesmo quem se deve amar, igualmente ao próximo amando, e ser amado como é e não conforme os outros gostariam que você fosse.
Alegre-se como é, lutando para ser melhor, confiando que pode conquistar mais beleza interior, e avanço sem receio pela estrada da solidariedade.
Compartilhe com a vida e com seu próximo, exatamente como você é.
Seja você mesmo, sem medos, sem angústias, sem presunção, nem soberba.
Assuma sua identidade, realizando-se, emocional e espiritualmente.
Enquanto você se ignora, gera conflitos contínuos, caminha por caminhos incertos sem saber onde quer chegar, perdendo excelentes oportunidades de transformar-se para melhor.
As pessoas que refletem outras pessoas, sem identificação, perdem-se a si mesmas, preocupadas em parecer, jamais conseguindo ser verdadeiras.
Disse o poeta: A alma desabrocha, qual um lótus de inúmeras pétalas.
Figuradamente, cada pétala dessa flor, representa nossos diversos compromissos e interesses perante a vida, que é uma injunção entre nós, o próximo e Deus. Bem observado, todas as pétalas continuam unidas, formando um todo, sendo alimentadas em sua beleza e fragrância, pela absorção da seiva que lhes dá sustentação e vitalidade, para seu todo – a flor – prosseguir formosa diante da formosura da vida.
A seiva da vida é o amor, em todas suas múltiplas expressões.
A flor de lótus simboliza o nascimento divino, o crescimento espiritual e a pureza do coração e da mente.
O significado da flor de lótus começa em suas raízes – literalmente.
A flor de lótus é um tipo de lírio d’água, cujas raízes estão fundamentadas em meio à lama e ao lodo de lagoas e lagos. O lótus vai subindo à superfície para florescer com notável beleza. O simbolismo está especialmente nesta capacidade de enfrentar a escuridão e florescer tão limpa, tão bonita e tão especial para tantas pessoas.
À noite as pétalas da flor se fecham e a flor mergulha debaixo d’água. Antes de amanhecer, ela levanta-se das profundezas novamente, até ressurgir na superfície, onde abre suas pétalas novamente e enfeita a vida, dando sua contribuição e perfume, sem nada exigir, sem nada esperar como retribuição. Sua existência fala por si mesma.
Na Índia, uma pequena lenda conta a estória de sua criação:
Um dia, reuniram-se para uma conversa, à beira de um lago tranquilo cercado por belas árvores e coloridas flores, quatro lendários irmãos. Eram eles o Fogo, a Terra, a Água e o Ar.
Como eram raras as oportunidades de estarem todos juntos, comentavam como haviam se tornado presos a seus ofícios, com pouco tempo livre para encontros familiares. Mas a Água lembrou aos irmãos que estavam cumprindo a lei divina, e este era um trabalho que deveria lhes trazer o maior dos prazeres.
Assim, aproveitaram o momento para confraternizar e contar, uns aos outros, o que haviam construído – e destruído – durante o tempo em que não se viam. Estavam todos muito contentes por servirem à criação e poderem dar sua contribuição à vida, trabalhando em belas e úteis formas.
Então se lembraram de como o homem estava sendo ingrato. Construído ele próprio pelo esforço destes irmãos, não dava o devido valor à vida. Os irmãos chegaram a pensar em castigar o homem severamente, deixando de ajudá-lo. Mas, por fim, preferiram pensar em coisas boas e alegres.
Antes de se despedir, decidiram deixar uma recordação ao planeta deste encontro. Queriam criar algo que trouxesse em sua essência a contribuição de cada um dos elementos, combinados com harmonia e beleza. Sentados à beira do lago, vendo suas próprias imagens refletidas, cada um deu sua sugestão e muitas ideias foram trocadas. Até que um deles sugeriu que usassem o próprio lago como origem.
Que tal um ser vivo que surgisse da água e se crescesse em direção ao céu? Um vegetal, talvez? Decidiram-se, então, por uma planta que tivesse suas raízes rente à terra, crescesse pela água e chegasse à plenitude do ar. Ofereceram, cada um, o seu próprio dom.
A Terra disse: “darei o melhor de mim para alimentar suas raízes”.
A Água foi a próxima: “Fornecerei a linfa que corre em meus seios, para trazer-lhe força para o crescimento de sua haste”.
“E eu lhe cercarei com minhas melhores brisas, dando-lhe minha energia e atraindo sua flor”, disse o Ar.
Então o Fogo, para finalizar o projeto, escolheu o que de melhor tinha a oferecer: “ofereço o meu calor, através do sol, trazendo-lhe a beleza das cores e o impulso do desabrochar”.
Juntos, puseram-se a trabalhar, detalhe a detalhe, na sua criação conjunta. Quando finalizaram sua obra, puderam se despedir em alegria, deixando sobre o lago a beleza da flor que se abria para o sol nascente. Assim, em vez de punir o ser humano, os quatro irmãos deixaram-lhe uma lembrança da pureza da criação e da perfeição que o homem pode um dia alcançar.
Deixe desabrochar o lótus que há em você!
Que sua vida fale por você.
Você nasceu para ser feliz.
Seja luz no mundo.
Projeto INOVE – ações em seu favor