O CANTO ERRADO DO SABIÁ

Quando da chegada da primavera, a natureza explode de cores, perfumes e canto dos pássaros.

Há canto dos pássaros que chegaram de longe para festejar a primavera e há o canto dos pássaros que nasceram na primavera.

O sabiá destaca-se na nossa lembrança de agora. Do mesmo modo, o canto dos pequenos sabiás-aprendizes.

No campo ou na cidade, eles anunciam a chegada do Sol, o raiar de um novo dia. Como um chamado para a vida, enquanto festejam a própria vida.

Chegam na primavera, vindo de muito longe. Com a proximidade do outono, se vão para muito longe.

Têm suas querências preferidas, quando veem e quando vão.

Em nosso conto, neste momento entra o homem em cena.

Suas ações têm comprometido a regularidade das estações do ano. O calendário aponta a chegada e a saída de cada uma delas. Mas o clima característico de cada uma, não chega junto. Esfria quando devia esquentar. Chove quando devia imperar o tempo seco. A fruta da estação, agora tem o ano inteiro, e algumas desejadas, já não chegam mais. As flores aparecem quando menos se espera…, mas nem sempre são prenúncios de frutos.

Cidades e arranha-céus, asfalto e quase nenhuma árvore. Luzes artificiais que confundem a noite como ainda se fosse dia, formam um aparente conforto para a vida do homem.

As regiões, há muito tempo escolhidas para as paradas migratórias das aves, continuam no mapa, mas seus cenários totalmente transformados pelas mãos humanas.

As matas de outrora, as águas correntes, as frutas em abundância, e os horizontes livres para a visão, já não são mais encontrados com facilidade.

O sabiá insiste em vir. Fazer seus ninhos. Por seus ovos. Receber suas crias.

Mas está difícil para eles. Alimento quando encontrado, está repleto de pesticida A água, malcheirosa e espumosa, aparece mais depois de demorada chuva. As ruas barulhentas, repletas de gente, ensurdecem qualquer um com roncos e buzinas dos carros.

O sabiá insiste em ficar.

O clima não mais sinaliza com segurança a mudança das estações. O ambiente, confuso, engana-os com os postes e as luzes, como sois artificiais. As árvores perderam as folhas e com isso a proteção e os frutos que elas detinham. Seus ninhos, desnudos da proteção natural, são invadidos por ventos frios, predadores, insetos.

… E às três da manhã, mesmo no outono, no raro silêncio de uma noite bem mais fria, ouve-se aqui e ali, o canto errado do sabiá, quase sem força, nem sempre terminando o seu conhecido trinar. Olha entristecido para a lâmpada próxima, como olhando para o Sol, e canta… mesmo errado. Pura melancolia.

Se o sabiá ousar alçar voo em direção ao perdido destino, sem os referenciais naturais de outrora, e sem as forças vivas e vigorosas de um momento certo que a natureza lhe premia, sem os demais do grupo dos seus, cairá, emudecido para sempre, pelo esgotamento da vida.

Antes das reticências (e não ponto final) que finalizarão este conto, pois a vida, já não tão viva, vai continuar, e os sabiás, os que se foram, voltarão, em grupos cada vez menores, é imperioso registrar que somos nós, os homens, responsáveis pelo canto errado dos sabiás…

Bem disse Victor Hugo: É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve.

***

De um modo geral, a Humanidade trocou o simples e o natural, pelo artificialismo das luzes de neon. O som do marulhar das águas nas laterais e nas pequenas praias dos rios, pela estridência da fala gritada nos restaurantes, na tentativa de se fazer ouvido pela pessoa sentada à sua frente. A vivência em família, pela permanência em grupos – pessoas estranhas entre si, mesmo se reunindo periodicamente. A permanência de uma relação afetiva sincera, pela impermanência trazida pelas aventuras em busca do novo, do diferente. O certo pelo incerto. A saúde de uma mente organizada e rica de valores verdadeiros, pelo adoecimento paulatino que a rebeldia sem causa promove, insistindo numa existência diária onde se identifica com o que é comum, em detrimento do que seria normal, com aquilo que se pode sim fazer, sem refletir se é devido fazer, e que mesmo sendo devido fazer, examinar se é conveniente ser feito. Exaurindo forças promotoras de bem-estar, numa desabalada correria em direção à lugar nenhum, buscando coisa alguma.

Vive-se por viver, convive-se por convir, relaciona-se porque precisa.

É como um copo sem água, uma lâmpada sem energia elétrica, uma bússola sem agulha, um carro sem motor, uma cidade sem gente.

Vida sem viço, olhos sem ver, ouvidos sem ouvir.

Canto sem som, fala sem palavras, passos sem sair do lugar.

Querer sem vontade, pensar sem desejo, almejar sem saber o quê.

Tudo querer, nada ter, esquecer de ser.

As referências do dia e da noite, do inverno e do verão, para que, se se é sempre igual, por dentro e por fora de nós?

O sabiá canta errado porque lhe tiramos, sem permissão, as balizas norteadoras de seu viver natural.

Mas, entre o bom e o ruim, o certo e o errado, o belo e o feio, a saúde e a doença, a alegria e a tristeza, as escolhas são nossas.

Os problemas não são originários da vida em si mesma, nascem em nós e por nós. Nossas atitudes geram as causas, e nosso viver se vê às voltas com as consequências. Semear é um ato de escolha pessoal. Colher a semeadura é força impositiva da vida.

Saber o quer, pede querer saber. Querer saber, pede saber certo. Saber certo, pede saber o que é devido. Saber o que é devido, pede saber o que é conveniente.

Isto é discernimento.

Entre o saber, o querer e o fazer, há uma distância que somente será superada com atitude de quem decide e faz, com determinação e coragem.

O que aciona essa atitude? – A vontade!

Trabalhar, desenvolver e disciplinar a vontade, deve ser meta urgente de todos nós.

A vontade, para ser orientada, depende da disciplina mental. A disciplina mental é moldada com exercícios de meditação e direcionamento de pensamentos elevados, gerando condicionamento novo, estabelecendo hábito diferente do comum.

Não basta mudar o curso das coisas, é preciso dominar o novo curso, estar integrado com o mesmo.

A vontade dominante sempre está equipada com a paciência, a perseverança e a autoconfiança. Tríade que conforma e consolida a vontade firme.

A paciência é recurso que se treina, é conquista que exige exercício, constância e fé na capacidade de realizar o pretendido.

A perseverança, por sua vez, é a pertinácia, insistência no labor, no alcance do objetivo. A firmeza da decisão pela consciência (saber querer) do que se vai efetuar, mantém o interesse em cada etapa, em cada passo, em cada ação devida no processo em desenvolvimento, dando solidez na proposição de se levar o projeto até o fim, sem desânimo, sem esmorecimento. Suor e lágrima ajudarão na feitura do amálgama que unirá cada parte do todo buscado.

A perseverança é a base da vitória.

A capacidade da paciência então conquistada, que vem agora completada com a perseverança, enseja o despertar da autoconfiança, que traz em seu bojo a certeza nos recursos pessoais existentes que podem ser aplicados em favor das realizações desejadas.

A união desses fatores decisivos, estruturam, em bases firmes, inamovíveis, a vontade, que, comandada pela mente saudável, rica e livre para bem discernir entre o que deve e o que pode fazer, aliada a capacidade para superar, e para superar-se, é capaz de vencer todos obstáculos até o objetivo final.

Não somente para o êxito na construção de coisas, mas, especialmente, a vontade – esse notável instrumento, potência da alma que é – deve e precisa ser dirigida para a maior realização de todas dentre as cabíveis ao homem: SER, conquistar-se, realizar-se interiormente.

Como o sabiá que se viu extraviado junto à natureza, por vários fatores, e seu canto errado ser um pedido de socorro, nós da humanidade, às voltas com tantos padecimentos e dores, hábitos infelicitadores e doenças diversas, não temos voz para cantar ainda a canção de uma primavera de alegria – pela paz que não temos -, e de cores da floração nova – pelo nascimento de novo pensar e agir que ainda não assumimos. O nosso canto errado grita por auxílio, desejosos que se dê um novo amanhecer de bênçãos.

Entretanto, podemos cantar o hino da esperança, sabedores que somos artífices capazes de construir nosso bem-estar. Tão certo como o dia sucede a noite, saibamos que podemos ofertar-nos, na intimidade de nosso coração, por esforço e trabalho nosso, estado emocional como de uma perene primavera, dando-lhe clima e paisagem, conforme seja nossa melhor vontade e nossa mais pródiga imaginação.

O Mestre dos mestres nos dá esta certeza, quando, em uma de suas imorredouras lições, aqui repetida com nossas palavras, ele disse que se nossa vontade, nosso desejo, nossa fé, mesmo tendo o tamanho de um pequeno grão de mostarda, ditasse para uma amoreira, sem dúvida no coração: desarraigue-se daí e plante-se no mar, ela nos obedeceria.

A vitória existencial de todos nós na Terra, advirá pelo despertar da consciência superior, pelo alcance da harmonia do Eu profundo, levando-nos à integração com a Consciência Cósmica.

Pensar e agir retamente, equipados por esses instrumentos preciosos, é um novo ciclo de satisfação, amadurecimento psicológico e controle do cosmo íntimo, perfeitamente realizável pela criatura humana, rumo à plenitude.

Despertemos! A felicidade nos aguarda.

____________

Projeto INOVE – integrado com a natureza

www.projeto-inove.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *