“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável”.
Gibran Khalil Gibran
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Toda paternidade é, por essência, uma missão.
Na verdade, ninguém se torna pai ou mãe a não ser por uma decisão mais ou menos declarada ou mais ou menos obscura, mas a própria decisão inclui fundamentalmente um compromisso vital que ultrapassa os limites do indivíduo: responder, diante do filho, pela vida que lhe foi dada, dedicando os melhores esforços para ensinar-lhe a existir e para encaminhá-lo pela senda do bem.
Ensinar a existir não se faz da mesma forma como se ensina a escrever e a contar.
A pedagogia profunda da existência não se encontra na esfera do dizer, mas na do viver. É a razão pela qual toda a paternidade é um compromisso que prende o pai e faz dele o responsável por seu filho, diante do próprio filho, diante dos homens e, em última análise, diante de Deus.
Convictos de que trazemos compromissos pétreos com nossos filhos, nunca nos inibamos quando tenhamos necessidade de lhes falar, orientando, a qualquer pretexto.
Vivamos com proximidade deles.
Sentemo-nos com eles e demonstremos a alma sensível que somos.
Não nos façamos distante dos nossos filhos. Tomemos a iniciativa de abraçá-los, beijá-los, envolvê-los com ternura.
Nunca nos envergonhemos de falar aos nossos filhos sobre as nossas fragilidades – naturalmente observando os níveis de maturidade -, sobre as lutas que travamos portas adentro da alma, dos nossos temores, medos e inseguranças, para que eles sintam que seus genitores são homens e mulheres normais, e, por sua vez, procurem ajudar-nos com os recursos de que já disponham. Evitemos, assim, a falsa postura de super-homem ou de mulher-maravilha, que não sofre, não chora, não perde e não comete erros.
Os pais não se devem esconder sob capas de super-heróis, porque é comum que não suportem manter a posição por muito tempo, o que leva os filhos a terríveis frustrações, quando passaram longo tempo de suas vidas acreditando nos poderes especiais dos seus pais.
Tornemo-nos, pai ou mãe, mais fáceis para os nossos filhos. Mais juntos, mais amigos. Importante que sejamos mais acessíveis à conversa, aos diálogos, às trocas de ideias. Em nada essa prática diminuirá as figuras paternas e maternas ou o respeito. Opostamente, aproximará bem mais os dois campos vivenciais, e a experiência dos pais será de grande valia aos moços – mesmo quando o não declarem – enquanto que os pais muito se enriquecerão com a pujante mentalidade, com os sonhos, com a agilidade e com o entusiasmo dos seus filhos.
Não queiramos que os nossos filhos sejam o modelo daquilo que trazemos na mente, mas que não corresponde às possibilidades e necessidades deles. Indispensável é que sejam honradas criaturas, que respeitem a vida e dela sejam dignos.
Os tempos são outros, não nos valhamos dos formatos da educação ou dos condicionamentos que vivemos junto aos nossos pais; lembremo-nos de que nossos filhos são pessoas diferentes de nós. Por conhecê-los pouco a pouco, identificaremos qual é a melhor maneira e os melhores momentos de abordá-los, se quisermos conquistar a alma deles para o território da confiança, da amizade, do Bem.
Analisemos os rebentos desde o berço e descubramos neles o filão aurífero de grandezas, de bondade, de amizade, que superarão, sobremodo, as zonas escuras que possam exibir por meio do temperamento complexo, do gênio alterado que apresentem, ou do desinteresse que demonstrem pelo que julgamos ser valioso.
Esforcemo-nos, e muito, por fazermos desenvolver em nossos filhos o respeito às coisas nobres e evitemos dar destaque apenas ao que neles se mostre desagradável. O trabalho da educação chamar-nos-á sempre ao diálogo, às explicações e até mesmo às oposições àquilo que não corresponda ao bem, ao ético e ao dignificante. Entretanto, nenhuma divergência ou discordância precisa recorrer à malquerença ou ao desrespeito, menos ainda à violência entre pais e filhos.
Sem alardes ou querelas insensatas, estejamos sempre com atenção às companhias dos nossos filhos, para que conheçamos as suas afinidades fora de casa e, então, possamos orientá-los tranquila e maduramente.
Prestemos atenção ao modo como abordamos as coisas sérias com nossos filhos. Se são sérias as questões, não merecem ser tratadas com chacota ou deboche – sexualidade, família, trabalho, política, etc. -, a fim de que, na mente deles fique bem definida a gravidade, sem exageros, com que devem ser tratados os temas importantes e sérios ao longo de suas vidas. Isso não impedirá, porém, que haja um relacionamento alegre e jovial na família. Quando se fala de algo sério, há seriedade; no tempo de brincar e de sorrir, há descontração e festa na alma.
Amizade é a base. O amor a essência.
Não nos esqueçamos, contudo, de que nossos filhos só o são em termos biossociais, porque, de verdade, nós e eles somos filhos do Grande Senhor e, por isso, herdeiros das constelações, que viemos ao mundo terrestre dentro de uma bem-urdida e abençoada programação, com vistas ao futuro de aleluias que a todos aguarda na imensidão do amor divino.
No entanto, onde há missão pode sempre existir demissão; onde há compromisso, pode sempre existir negação.
Para muitos pais ainda existe o perigo de perderem a consciência do encargo que lhes foi confiado. Seja por imperceptível acomodação, seja por sinuosa negligência, seja ainda por medo da responsabilidade, os pais fogem do filho e de si mesmos; de boa consciência aceitam ser os procriadores dos filhos, mas se recusam a ser os criadores deles. Puseram-nos no mundo e não se empenham em acompanhá-los pelas longas estradas da vida. Os filhos foram semeados e depois abandonados a seu próprio crescimento.
Os pais aceitaram uma missão e discretamente tratam de se livrar dela, por ser muito onerosa, segundo suas opiniões.
Tal demissão tem consequências extremamente graves, pois nada é mais necessário à criança do que a presença do pai e da mãe.
É necessário não só estar presente, mas amá-los como se deve.
Sim, amá-los como se deve, pois há amor e amor.
Há amores enganadores, amores mal vividos, amores nocivos e destrutivos.
A que tipo de amor então nos referimos? Ao que conduz ao sacrifício de si. É no mais profundo do ser humano, nesta misteriosa região do ser, e não na periferia do ter, que construímos o amor.
Tomás de Aquino define assim o processo do verdadeiro amor: É na essência do amor que aquele que ama se desapropria de si. Não tem a ver com as coisas; vive no fundo do ser. Não há amor sem sacrifício da pessoa que ama.
A missão da paternidade, da maternidade, é uma grave responsabilidade que não se faz com meias-medidas, nem com a frouxidão da mediocridade. Supõe grande coragem e longa perseverança.
Não causa surpresa o fato de inúmeros pais que, sub-repticiamente, praticam a discreta demissão, que é um renegar, e grave, porque condena à infelicidade a criança a quem se tinha prometido, com a vida, a felicidade.
É uma demissão polimorfa e sutil, porque ninguém reconhece jamais que se demitiu. E se dá por formas múltiplas e mascaradas dessa demissão. Vejamos algumas:
A não aceitação do filho. Expressando-se verbalmente ou por atitudes não verbais, demonstra a recusa de sua existência, ou porque considera que o filho veio fora de hora, que ele não estava no programa por enquanto, que é um ônus financeiro não previsto, que vai tirar a liberdade a dois; ou porque ele não é aceito tal qual é (queria menino, veio menina), sonhava-se com um filho saudável, mas não aconteceu assim.
A fuga pura e simples. Os pais têm tempo para tudo e para todos, menos para os filhos. Estão em todos os salões da moda, menos em casa. Se fazem filantropos para os filhos de outras mães, mas não acarinham os seus. Encontram-se com os filhos de quando em quando, pois, saem muito cedo e retornam muito tarde nos dias gerais, e acabam não se encontrando, a não ser nos finais de semana. Conversa-se mais pelo Messenger do que olho-no-olho. São filhos órfãos de pais vivos. São pais não pertencentes à família.
Descarregar a responsabilidade sobre outrem. Os professores que eduquem!, diz-se com muita constância. O colo mais conhecido é o da babá ou dos empregados. A casa dos avós é o ponto de chegada bem de manhãzinha, com os filhos meio dormindo ainda, para, só à noite, serem buscados, já dormindo. E são os avós que levam e buscam na escola, no pediatra, para cortar o cabelo, etc. Não se dispõem a ensinar-lhe quanto é 1 + 1, nem o b + a= ba. Não conhecem a grata sensação de terem passado noite em claro, à cabeceira da cama, cuidando do filho em febre… Fazem cara de espanto, quando o filho chama a babá ou a avó de mãe, ou o avô de pai. Se surpreendem quando o filho se machuca e, chorando, corre para o colo que lhe dá conforto: o da avó, e não o da mãe. Pais que se fazem presentes para repreender e cobrar resultados, mas nunca estão presentes para ensinar e conviver. Vivem sob o mesmo teto, mas não convivem. Estão juntos, mas bem separados.
A máscara da autoridade. Pela inaptidão para educar, há pais que adotam a postura despótica, a qual supõem ser sinônimo de autoridade. Na verdade, não educam, domesticam. Mandam, mas não orientam e conduzem. Ao invés do abraço, a distância. Ao invés do afago, a indiferença. São pais temidos, porém não respeitados e amados.
A superproteção. Só faltam respirar pelo filho, dormir pelo filho, comer pelo filho. Confundem cuidar e zelar, por dominar e absorver. Abafam, quando deveriam abraçar. Sufocam, quando deveriam dar-lhes visão de horizontes novos e impulso para a caminhada na direção da autorrealização. Constrangem, quando deveriam ajudá-los a serem responsáveis e independentes. Fazem sombras inibidoras, quando deveriam ser-lhes o Sol indicando-lhes novos caminhos para que eles caminhem com as próprias pernas e sintam o sabor da vitória. Geram atrofias sentimentais, quando deveriam fortalecer músculos da vontade própria, determinação e assertividade. Miserável educação que, em lugar de preparar gigantes para o êxito, cultiva pigmeus emocionais…
A compensação. Quando os pais se fazem permissivos, onde o filho tudo pode e tudo faz, desde que não os incomode. Tudo dar para não ter que se dar. E não medem limites, nem no campo da moralidade, parâmetro que lhes falta também. Ao invés de acarinhar e brincar com os filhos, dão-lhes brinquedos, substituindo-lhes a presença. Ao invés de se sentarem para juntos assistirem a um bom filme e conversarem, dão-lhes vídeo game, apartando-os do convívio. Ao invés de doarem-se, doam objetos. Ao invés do diálogo, o silêncio provocado pelos smartphones, a nova máquina da separação, que veio substituir a televisão nesse papel de reunir pessoal, mas não unir. O afetuoso abraço que hoje os pais não dão, amanhã poderá vir a ser dado pelas drogas, drogados e traficantes.
Pais! Relembremos o poeta:
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem…”
E empenhemos nossos melhores esforços em bem aquilatar nosso comprometimento perante a vida e a nossa consciência na nobilíssima missão da paternidade, e compreendermos o que é termos um filho, sermos pai ou mãe. Compreender, do verbo latino cum-prehendere, é tomar o outro consigo, tomá-lo sobre si, fazer sua a vida dele, desposar seu ser.
Adote seu filho, no sentido mais forte do termo.
Amar seu filho é dizer-lhe: tua vida é a minha; tua alegria, teu sofrimento, tua revolta, tua esperança, teu esforço, são meus.
Amor, compreensão, assunção do filho pelo pai. Memorizemos estas três atitudes áureas para uma paternidade responsável.
A reconhecida educadora, escritora, teatróloga e poetisa brasileira, Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues, mais conhecida por Amélia Rodrigues, nascida em Santo Amaro da Purificação, BA, 26 de maio de 1861, e falecida em Salvador, BA, 22 de agosto de 1926, que o governo do estado da Bahia, através da lei nº 182, de 20 de outubro de 1961, criou o município de “Amélia Rodrigues”, em sua homenagem, repassa-nos as seguintes letras a respeito de nossos filhos:
Seu filho é abençoado aprendiz da vida. Não lhe dificulte a colheita das lições, fazendo-lhe as tarefas.
Seu filho é flor em botão nos verdes ramos da existência. Não lhe precipite o desabrochar, lhe estiolando a vitalidade espontânea.
Seu filho é discípulo da existência. Não lhe cerceie a produtividade, tomando sobre os seus ombros os misteres que lhe competem.
Seu filho é lâmpada em crescimento de luz. Não lhe coloque o óleo viscoso da bajulação para que não afogue o pavio onde crepita a chama da esperança.
Seu filho é fruto em formação para o futuro. Não procure colher, antes do tempo, o benefício que lhe não pertence.
Lembre-se, mãe devotada que você é, que o seu filho é também filho de Deus.
Você poderá caminhar ao seu lado na estrada apertada, mas ele só terá honra quando conseguir chegar ao objetivo conduzido pelos próprios pés.
Você tem o dever de lhe apontar os abismos à frente; mas a ele compete contornar os obstáculos e descer às baixadas da existência para testar a fortaleza do próprio caráter.
Você deve ministrar-lhe o sustento do Evangelho; mas a ele compete o murmúrio das orações, na prece continuada das ações nobres.
Seu filho é o discípulo amado que Deus pôs ao alcance do seu coração enternecido, no entanto, a sua tarefa não pode ir além daquele amor que o Pai propicia a todos, ensinando ao tempo, corrigindo na luta, e educando através da disciplina na para a felicidade.
Mostre-lhe a vida, mas deixe-o viver.
Fale-lhe das trevas, mas dê-lhe a luz do conhecimento.
Mande-o à escola, mas faça-se mestra dele no lar.
Apresente-lhe o mundo, mas deixe-o construir o próprio mundo.
Tome-lhe as mãos e ponha-as no trabalho, ensinando com o seu exemplo, mas não lhe desenvolva a inutilidade, realizando as tarefas que lhe competem.
Seu filho é vida da sua vida que vai viver na vida da Humanidade inteira.
Cumpra o seu dever amando-a, mas exercite o seu amor ensinando-o a amar e fazendo que no serviço superior ele se faça um homem para que o possa bendizer, mais tarde.
Ame, em seu filho, o filho de todas as mães e ame nos filhos das outras o seu próprio filho, para que ele, honrado pelo amor de outras mães, possa enobrecer o mundo, amando outros filhos.
Seu filho é semente divina; não lhe negue, por falso carinho, a cova escura da fertilidade, pretextando devotamento, porque a semente que não morrer jamais será fonte de vida.
Mãe! Seu filho é a esperança do mundo; não o asfixie no egoísmo dos seus anelos, esquecendo-se de que você veio à terra sem ele e retornará igualmente a sós, entregando-o a Deus consoante as leis sábias e justas da Criação.
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