Os últimos dias se apresentaram repletos de problemas de variada ordem, agravando aquele coração amargurado com a falta de perspectivas onde se pudesse visualizar esperança de soluções.
Apesar da aparente calma, por trás daquele rosto estava alguém em aflição.
Dizia-se religioso, confiava nas Forças Maiores da Vida, porém o momento angustioso não facilitava mentalizar alternativas que se demorassem no tempo para se concretizar. Apelar para forças metafísicas, porque disponíveis no invisível das formas, no seu ver, estariam longe do sentido prático de providências e atitudes imediatas. Para ele não tinha amanhã, a não ser escarafunchar no presente dia os porões da mente até encontrar alternativas viáveis.
Sentia-se exausto mentalmente, sem forças emocionais e até físicas, para uma reação mais pronta, até porque não sabia que rumo seguir.
Como nas imagens dos desenhos animados, via-se escorrer lentamente, como liquefeito, por um ralo.
Seus pensamentos giravam e giravam em torno dos problemas e suas consequências por não solucionados.
Quase em desespero, chegou a cogitar de jogar tudo para o alto, tudo largar, pois se ruim já estava, nada demais se ficasse pior.
Não se envergonhava de, mesmo de passagem rápida, ter cogitado tudo abandonar, até a própria vida. O que descartou de imediato, mas as piores ideias lhe martelavam o mundo mental, com coração em descompasso.
Foi quando ouviu o som da campainha que chamava, tirando-lhe daquele torpor, como de um dorido pesadelo.
Contrafeito, foi atender ao chamado.
Era um querido amigo seu, que foi logo lhe abraçando e pedindo-lhe desculpas por ter vindo sem avisar. Porém, disse ele, que estava não muito longe dali quando sentiu irresistível vontade de visitá-lo, já que há bom tempo não se viam.
Convidado a entrar e a se sentar, o anfitrião, um pouco mais recomposto em seus sentimentos, esboçou leve sorriso, começando fugaz diálogo, mas com tal expressão de tristeza no olhar, que esta não passou desapercebida pelo amigo, bem como a percepção de que ali estava alguém diante dele se esforçando para ali estar, dando mostras que preferia mesmo era ficar só.
Ao invés de se dispor a ir embora, o visitante considerou que não seria justo sair sem ao menos se dispor a contribuir de algum modo com o bem-estar do amigo muito caro, que dava mostras de profundo sofrimento, de alma dorida.
Foi direto ao ponto. Perguntou-lhe o que se passava, pois era visível a angústia, e sendo seu amigo, desejava poder ajudar, ou tentar pelo menos.
O outro relutou um pouco, dizendo ser mal-estar passageiro, mas não convenceu. Carinhosamente, o amigo em visita insistiu, e de modo gentil, disse-lhe estar à sua disposição, pedindo que comentasse o que entendesse ser próprio.
Com timidez no início, logo o confidente se colocou mais à vontade, sentindo o apoio da atenção e compreensão do amigo, e falou de suas amarguras, da problemática que o afligia, da exaustão de ânimo e coragem, vendo-se sem rumo, nada enxergando além de problemas e problemas.
Fez-se um silêncio de alguns segundos, que pareceram que o tempo havia parado…
O visitante-amigo, com sincero e afetuoso sorriso nos lábios, comentou:
– Me dói a alma o seu momento-vida, mas considero que para tudo há solução, e o começo da solução está em nós nos colocarmos em condições de analisar e discernir, até porque, em variadas ocasiões, a solução está diante de nossos olhos, que enevoados pelo turbilhão dos transtornos, nada vê. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem… O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido!
E prosseguiu:
– Você já deve ter ouvido a referência de que é preciso ter olhos de e ouvidos de ouvir, para poder apreender os valores do coração, de onde partem as melhores decisões, por abrigar os melhores ensinamentos.
E percebendo que o amigo se punha atento ao que dizia, acrescentou:
– Recordo-me de citação de Rubem Alves – psicanalista, educador, teólogo, escritor e pastor presbiteriano brasileiro; autor de livros religiosos, educacionais, existenciais e infantis – que diz: A vida tem sua própria sabedoria. Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo, a mata. Quem tenta ajudar o broto a sair da semente, o destrói. Há certas coisas que têm que acontecer de dentro para fora, e no seu tempo acertado, meu amigo. E ela anotou também: Os olhos são pintores: eles pintam o mundo de fora com as cores que moram dentro deles. Olho luminoso vê mundo colorido: olho trevoso vê mundo escuro.
E arrematou a ideia, questionando:
– Você terá dado a devida dedicação a você mesmo, melhor conhecendo-se? Aproveitou-se de oportunidades tantas que a vida já lhe ofertou para colorir seu mundo íntimo, não só com conhecimentos mil, mas com a simplicidade da sabedoria. Os conhecimentos nos dão meios para viver. A Sabedoria nos dá razões para viver. Qual sua razão de viver? Qual o significado da vida e do existir? O momento não é para filosofar, e o que eu falo a você é essencial para a vida em seu dia a dia de todos nós.
Manteve o raciocínio, indo em frente:
– Responda no silêncio da sua intimidade: A sua caminhada segue para qual direção? O que você deseja da vida?
Enquanto o amigo demonstrava maior tranquilidade e envolvimento com a ideia exposta, o outro, sentindo-se inspirado por pensamentos que lhe acudiam o cérebro, comentou:
– Você já deve ter lido o livro Alice no País da Maravilha, de Lewis Carroll e, se sim, estará lembrado da passagem em que Alice perguntou: Gato Cheshire… pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar? Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato. Eu não sei para onde ir! – disse Alice. E o gato arrematou: Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.
Com a expressão de assentimento que o olhar do amigo manifestava, o visitante viu-se estimulado a prosseguir:
– Quem não sabe paro onde quer ir, nenhum caminho levará até lá. Você fala de conflitos decorrentes entre o que se lhe apresenta hoje pedindo-lhe decisão e o que você encontra em você de recursos intelectuais e morais para alimentar seu raciocínio e deliberação. Como amigo, vejo que a caminhada das resoluções deve começar em você com você mesmo, depois passando pelos fatores sentimentais, assumindo ou não os compromissos afetivos, e por fim suas dificuldades profissionais.
E acrescentou:
– Começando pelo começo, permito-me a lembrança de Rubem Alves, mais uma vez, ao nos dizer que o olho vê aquilo que o coração deseja. Quando o desejo é belo, o mundo fica cheio de luz, mas quando o desejo é ruim, o mundo se entristece… Convidando-nos a que adentremos nossa intimidade e ali façamos uma boa faxina, livrando-nos do que não nos serve, e enriquecendo o ambiente com as luzes de tudo o que promova o bem-estar, o bom e o belo, valorizando a ética e a estética, o útil e o agradável. Lembre-se do Mestre dos mestres que lecionou: a boca fala do que o coração está cheio.
– Meu amigo – sublinhou, falando – diz esse poeta. já íntimo de nossa fala, de tanto que está sendo aqui lembrado: Todo jardim começa com um sonho de amor. Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardins por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles…
– Você muito fez pelo que considerou importante em sua vida “lá de fora”, mas deixou de lado o essencial: a vida e o viver dentro de você, onde reside a satisfação. Continue zelando pelo exterior, mas dedique-se também pelo seu interior, pois daí decorre tudo o mais – enfatizou para o amigo, agora muito atento e emocionado.
Falando o que lhe ditava a melhor das intenções em benefício do amigo, foi adiante: – Entenda os seus medos, mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos. Nunca receie entregar-se ao amor. Confie que o dia de amanhã lhe sorrirá os melhores sorrisos. Trabalhe com alegria a sua renovação íntima para melhor, revendo crenças e valores existenciais, certo de que a vida lhe retribuirá com as cores com as quais você a pinte, lembrando que os pintores pintam o mundo de fora com as cores que moram dentro deles… Não queira construir um mundo melhor, seja você melhor e o mundo já estará melhorado. Vá em frente e seja feliz. Você merece, aceite-se assim: feliz!
Alegrando-se com o sorriso que agora se abria naquele rosto, antes desfigurado pelas dores morais, falou mais: Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves do céu, os lírios dos campos… Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é música do Grande Mistério. É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram, para encontrá-lo, em espírito e verdade, mesmo que sem nome, nas nuances da vida cotidiana. Ou seja, afirmo-lhe que nunca estamos sós. Integre-se intencionalmente a Consciência Cósmica, pulsante e universal. Em você canta as glórias da vida, que pedem para se manifestar, dilatando os dons que dormitam no seu coração, revelando-lhe a realidade diamantina, que lhe permitirá superar as culpas e as dores, as angústias e as inquietações, tornando-o pleno e feliz. Superação é exercício de cada dia, meu amigo, ao alcance das possibilidades de todos, sem exceção. Desistir, jamais! Sempre em frente, em harmonia.
– E destaco – disse – que somente você pode se decidir pelo melhor, coordenando movimentos, elegendo metas e avançar sempre. Confie. A força do Todo o completa, o preenche. Avance! Dê a sua melhor participação à Vida e ela o retribuirá com bem-estar e paz.
– Agora – arrematou – posso afirmar que a solução começa em você. Anime-se, confiante. Você quer, você sabe, você pode. O triunfo sobre você mesmo o espera.
– E antes que eu me vá – concluiu – aceito o cafezinho a ser feito pelo amigo dileto. E amanhã pela manhã, juntos, examinaremos suas questões profissionais. Se uma porta se fecha, muitas outras se abrem. É tempo de esperança, sorria!
***
É tempo de esperança, sorria!
Sempre se pode sentir o tempo que passa de um dia atrás do outro, a trocar as horas. Aguarda-se a chegada da madrugada, e mais um anoitecer!
Espera-se que esse infinito transpor de atitudes seja chamado vida, e o gosto de vivenciá-la chega sorrateiro e nos derruba, pois já não entendemos o que tanto nos faz querer!
Ir adiante todos os dias, buscar a relatividade do que sentimos com o que pensamos, permite que modifiquemos instantaneamente nossa forma de atuar.
Muitas vezes, lidamos com o que entristece, mas, na maioria, sem que percebamos, é o que nos alegra e constrói uma solidez diferenciada, que se manifesta em maior número.
Esquecer e voltar a tentar, sofrer e desejar ser feliz! Paradoxos existências que a todos afeta.
A construção de uma nova atitude em observar o que mais nos completa, se a tristeza, por separada de nossos corações amedrontados, ou a alegria, por preencher com júbilo e satisfação as nossas horas, nos faz dar continuidade, em nossa busca sem fim.
Se hoje ou ontem, não podemos afirmar; mas que o pulsar intenso de nosso coração, nos faz ficar sem ar e até mesmo a nos sentir às vezes tontos, como que sem saber que rumo tomar, de tamanhas e inúmeras possibilidades de escolha, que, como mágica, surgem pirilampeando, a nos indicar qual o caminho.
Assim, titubeando entre alegres e tristes horas, nosso viver passa como um raio, que ao iluminar os céus pesados de água que cairá em breve, limpa a atmosfera de dúvida, clareia a decisão e lava o que antes impossibilitava a compreensão, entre nosso bem e nosso mal.
Sorria!!!! É tempo de viver, perceber e determinar se o que se construiu como “nós mesmos”, foi induzido por terceiros ou feito com opções pessoais próprias e claras!
Se cada passo dado serviu somente para que não se mergulhasse em abismo profundo ou se salvou definitivamente de um terrível engano, irremediável!
Se a dúvida serviu para completar a individualidade ou se permaneceu sendo alaúde tocada pelo ego intransigente!
Se a música ouvida foi estonteante ao ponto de confundir os sentidos ou se houve permissão íntima para que a perdição se instalasse!
Dúvidas a serem esclarecidas por todos os que, rumo ao conhecimento dos porquês da vida, bailam em volta do processo de iluminação que a análise traz à tona de um mar aparentemente calmo, mas de águas de uma profundidade tal, que revela os contornos do que é velado pela água das existências!
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Projeto INOVE – a vida sob novo prisma
@PROJETOINOVI
Desistir jamais!!!