DOMÍNIO PERFEITO DA REALIDADE

“Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino.” – Carl Gustav Jung

A vivência diária demonstra que êxito e fracasso se revezam nas nossas experiências. Nem todo dia é ensolarado. Há também dias nublados, chuvosos, tempestuosos.

Satisfação e frustração fazem parte da equação da vida, enriquecendo-nos de conhecimento, conclamando-nos à sabedoria.

Todos trazemos lembranças de ocorrências marcantes que se deram conosco. Em boa parte das ocasiões, absorvemos o resultado delas e seguimos adiante. Há situações que nos marcam mais profundamente, exigindo novo rumo ao nosso proceder, isso quando não se fazem obstáculo impedindo a caminhada, no caso de transtornos, geradores de conflitos.

Quando no calor da ação, onde cada pensamento, cada palavra, cada sentimento, cada atitude é parte do processo, vivenciamos a realidade daquele momento, sem conjecturar do resultado. Agindo assim, vemos feitos nossos que em um dado momento são satisfatórios aos nossos sentidos, para, logo mais de apresentarem como ilusórios, emocionalmente.

Por exemplo, o manjar de um prato saboroso, em que os cinco sentidos aplaudiram, dando à realidade do momento a feição de felicidade, mas, passada a empolgação do instante, lembramo-nos do regime alimentar a que havíamos nos proposto, e nos deparamos com uma outra realidade emocional, a de cobrança de disciplina, e, e então, o outro momento, pela força de uma realidade efetiva, ficou reduzido a uma ilusão, passageira como todas as ilusões.

Também há ações que se apresentam inicialmente como ilusórias para os sentidos, mas que seus efeitos nos trazem conforto emocional, pondo-nos em contato com realidade plenificante e duradoura. Como exemplo, lembremo-nos da busca de um coração amigo, sem muita esperança, num momento de amargura acentuada e aguda, cujo diálogo nos traz consolo, orientação oportuna, despertando-nos esperança e ânimo. Muitas vidas já foram salvas com esses encontros providenciais.

No geral, há supostas realidades que se fazem ilusão, como há supostas ilusões que se configuram em grande realidade.

Grave quando se prefere a ilusão à realidade, como é o caso de quando se busca justificar todas as atitudes equivocadas, explicando insucessos, desacertos, erros, como se a iniciativa e a responsabilidade fosse sempre dos outros, reservando para si próprio a aparência da candura e de estar sempre certo. Pensa e age para se safar de todos os enroscos.

Personalidade com esse perfil disforme, percebe-se com receio, com certa sensação de instabilidade, de ameaça, de dúvida, mas por não encontrar alicerce e sustentação moral condizente em si mesmo, deixa de reconhecer suas fragilidades e como tal tratá-las, mascarando-as.

Assume tal gravidade esse comportamento dissimulado e contínuo, que a pessoa acaba por recear as próprias atitudes, e, duvidando de si mesmo, teme-se, por se ver capaz de, a fim de justificar seus insucessos e erros, lançar mão sem pudor de qualquer recurso e meio, indevido e ilícito, inclusive.

Para esses, os meios são justificados pelos fins. Sempre explica, mas não justifica. Ilude-se e ilude. Acha-se, mas não se encontra. Olha no espelho e não se vê. Veste máscaras, pretendendo esconder-se da realidade. Frágil que se permite ser, entrega-se sem resistência, mesmo sob os protestos da sua consciência, que lhe indica outros caminhos e lhe cobra novas atitudes. Faz escolhas como desvios da personalidade, tangenciando a realidade.

Essa dualidade, imprecisa para mentes vazias, de realidade e ilusão, cuja tênue linha divisória é corrompida pela instabilidade emocional em grau mais acentuado, traz para a vivência diária, ansiedade e medo, desconfiança, amargura, sentimento de isolamento, depressão, fadiga (devido à preocupação constante, gerando exaustão mental), o que leva a manifestar, inconscientemente, um estado quase que paranoico.

Na tentativa de sair do turbilhão emocional em que se encontra, veste a roupagem de um personagem que se apresenta esfuziante, senhor de si, e passa a chamar atenção para ele próprio, exagerando trejeitos, levantando a voz em qualquer diálogo, gargalhando sem alegria, expressando atitudes esdrúxulas, em nome da originalidade.

Faz-se tão aguda a cegueira para a realidade libertadora, que não mais identifica a real razão para cada sentimento, os quais variam sempre e ao bel prazer das circunstâncias, se somando com outro, com isso provocando outros tantos, desconcertantes, confundindo o discernimento e o bom-senso.

Por não distinguir a natureza dos sentimentos, não raro assume as aflições e dores alheias como se suas fossem, introjetando-as e somatizando-as, acarretando efeitos danosos para o corpo.

A insegurança pessoal, que também dificulta a identidade da real razão para cada sentimento, é como uma cunha que ajuda a abrir a porta existencial para que haja fuga da realidade para a ilusão.

Ela, a insegurança, se acentua ao darmos guarida ao sentimento de baixa estima que advém em decorrência de algum contratempo que a vida nos surpreenda, mais ainda se consolida se alimentada pelo desprezo por si próprio, vendo-se como incapaz.

Como não sabe o que se passa consigo, se faz agressivo como forma de compensação e de barreira, na tentativa de impedir seja revelada sua realidade instável psicológica, emocional, moral, tanto quanto suas fragilidades e conflitos íntimos.

Ao considerar que agredir é sua melhor defesa, é quando aprofunda seu equívoco sentimental. E, ao invés de se aceitar como é, reconhecendo-se e corrigindo-se no que for preciso e em tempo, prefere desconsiderar quem é, para se fazer como não deveria ser, iludindo-se que assim é que é, de fato.

A falta de segurança pessoal vai despontando e se conformando, à medida em que se alinha como modelo comportamental o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”

Essa incongruência entre o que pensa, o que deveria pensar, o que  faz e que deveria fazer, leva a que esteja sempre apontando os defeitos dos outros com dedo indicador em riste, e não perceba os outros três dedos que se voltam para si próprio, pela natural posição da mão que se põe a apontar.

Sob falso puritanismo, pessoa assim se faz fiscal da vida alheia. Como se fosse o possuidor da verdade, projeta seu estado interior que procura combater no outro, porque não se dispõe a fazê-lo em si. Uma espécie de projeção psicológica.

Aponta a desagregação familiar e se faz carrasco dentro do lar.

Fala da violência urbana e não vê o violento doméstico que é. Não só violência física, mas moral, emocional, castrador de bom ânimo e de bom-humor. O próprio invalidador, aquele que anula as alegrias e esperanças alheias.

Faz críticas soberbas, mas não faz melhor.

Deseja melhor educação aos filhos, tece críticas ao modelo atual, mas não se faz educador no lar.

Deseja alimentação saudável, critica o excesso de químicos e agrotóxicos nos alimentos, mas continua consumindo tudo como lhe chega.

Deseja entretenimento saudável, descorda das atitudes de violência nos filmes e a erotização nas telenovelas, mas não só continua assistindo tais produções, como não analisa suas próprias ações nessas mesmas áreas.

Deseja um mundo melhor, se condói ao ver os que passam fome e frio, tece comentários sobre a falta de ação do Estado, mas de si mesmo nada faz para minorar o quadro social e não é capaz de doar um pedaço de pão amanhecido que seja.

Mascara seus bons desejos subconscientes, reprimindo-os com o discurso crítico, por falta de valor moral que o estimule e impulsione às realizações nobres, a autenticidade edificante.

Essa postura oposta entre o desejo e a realização, ou falta dela, ganha corpo como modelo existencial, ao se desprezar, desperdiçar, oportunidades e disponibilidades: tem saúde e atenta contra ela com maus hábitos; tem escola e não estuda; tem família e não zela por ela; tem filhos e não cuida deles como devido; fala de paz, mas não é pacífico; tem trabalho e não se faz bom trabalhador.

É mãe sem sentimento materno.

É pais sem sentimento paterno.

É filho sem sentimento filial.

É irmão sem sentimento de irmandade.

Esses são estados mentais e emocionais indesejáveis, pedindo providências sanadoras.

*

Considerando a apontamento de Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica, que diz:Eu não sou o que aconteceu comigo, eu sou o que eu escolhi ser,” podemos entender que tudo começa em nosso campo mental, tanto a saúde como a doença.

O médico e aplaudido escritor indiano radicado nos USA, Deepak Chopra, bem leciona sobre antiga afirmativa, que segundo nossos desejos, nossas escolhas: Você é como o intenso desejo que lhe impulsiona: Assim como é seu desejo, assim será sua vontade. Assim como é sua vontade, assim serão seus atos. Assim como são seus atos, assim será seu destino. Assim como é seu destino, assim será você.”

A cada momento temos acesso a uma infinidade de escolhas. Algumas delas são feitas de forma consciente, outras não. Infelizmente, muitas de nossas escolhas, por terem sido feitas sem consciência, não nos parecem escolhas, no entanto, são.

E com isso geramos nosso destino.

O pastor protestante e ativista político norte americano, Martin Luther King, assim se refere ao destino: “Saiba que seu destino é traçado pelos seus próprios pensamentos, por isso você deve tornar o seu pensamento mais elevado, mais belo e mais próspero.”

*

O momento é de despertar para se conhecer, para descobrir-se e identificar-se.

Se não houver a atenção despertada, não se tem como conhecer alguma coisa, algum lugar, menos ainda pessoas, o que se dirá sobre nós mesmos.

Somente conhecendo alguma coisa com detalhes é que se pode descobrir nuances que podem lhe ser próprias.

Somente com pessoas que conhecemos, nos sentimos realmente bem.

Quanto mais descobrirmos sobre coisas e pessoas, maior e melhor será a nossa identificação ou entrosamento com tais coisas e pessoas.

O mesmo se dá quanto a nós mesmos. O conhecer-se a si mesmo é que facultará a descoberta de nossas características legítimas, autênticas, que formam o nosso caráter e demarcam nossa identidade, nossa realidade íntima, pessoal, inconfundível.

Na caminhada ao nosso interior, cada passo dado nos desveste de ilusões que vão ficando para trás, dando-nos clareza de percepção e certeza do encontro com a realidade libertadora.

Poderemos então olhar no espelho do coração e dizer, sem meias palavras, repetindo o que grifou Martin Luther King, um dos maiores líderes do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, e no mundo: Não somos o que deveríamos ser; não somos o que queríamos ser; não somos o que iremos ser, mas graças a Deus, não somos o que éramos.”

Sou o que sou, caminhando para um ser ideal.

Essa conformação com o que sou nesse momento, não enseja conformismo e passividade, paralisando-nos no estado recém descoberto.

Descobrimos em nós valores e deficiências.

Deixemo-nos identificar pelos valores e pelas deficiências, cabendo-nos aceitar-nos nessa inteireza e trabalharmos pelo aprimoramento do que já seja valoroso, e corrigir o que seja deficiente, construindo, com o esforço que venha a ser exigido, a condição ideal, nos fazendo repletos de valores grandiosos.

E então, deixaremos de exigir dos outros o que não temos ainda, e passaremos a nos dispor em favor dos demais, compreendendo-os. Solidários e fraternos, nos deixaremos impregnar e a manifestar, espontaneamente, a excelência da Realidade Maior, em sua verdadeira grandeza, permitindo que nos domine, permanecendo em estado de bem-estar e paz, fruto da edificação que somente ela faculta.

“Só aquilo que somos realmente tem o poder de nos curar”, nos diz o psicanalista, Carl Gustav Jung.

Nos coloquemos operosos em ações, construindo alicerces robustos, estáveis, capazes de suportar construções permanentes de bem-estar, abrigando harmonia do ser, com o próximo e com o Todo.

A natureza é única, quer olhemos a luz ou a sombra, o terreno seco ou área fértil, a água estancada ou o fluir do rio caudaloso. Uma pequena plântula ou a imensidão de uma floresta, o vento brando e morno ou as ventanias que fazem vergar árvores e as impurezas da atmosfera baterem em retirada.

A natureza oferta a vida tanto às aves quanto ao homem, a todos membros da natureza como um todo, da Vida com seus propósitos.

Aceitemo-nos sabendo como nós somos, tendo em vista o que gostaríamos de ser, pois “o que negas te subordina. O que aceitas te transforma, e ainda, o que se resiste, permanece”, são lições sublinhadas por Carl Gustav Jung.

Ilusão mantém o estado vigente das coisas, com o agravante de que o tempo e a repetência das mesmas atitudes trarão os resultados já sabidos, se fazendo estados indesejados crônicos, de difícil erradicação e reequilíbrio.

Nós somos produto de um destino predeterminado ou temos livre-arbítrio? A resposta é: as duas coisas. Quem não tem consciência vive em um mundo predeterminado. Quem tem consciência se torna alguém que pode escolher e exerce este poder.

Entre estes extremos, então, de quem está totalmente inconsciente e de quem já atingiu a consciência superior, há uma mistura de destino e livre-arbítrio atuando nas nossas vidas.

Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para o seu próprio coração.” Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta,” é o convite à interiorização feito por Gustav Jung.

O autodescobrimento é o delineador do domínio perfeito da Realidade tanto nossa quanto da Vida, que externará o desejado equilíbrio entre o que se quer, o que se pode e o que se deve fazer na edificação do mundo interior e exterior.

A realidade externa, então, qual espelho, refletirá a harmonia que preenche nosso ser, e, realidade interna e externa, estarão em sintonia com a Natureza.

Ela, por sua vez, é o reflexo do espelho da Harmonia Suprema. Estágio em que teremos alcançado nossa integração com o Todo, em regime de pertencimento.

Deixemos o superficial para conseguirmos o substancial.

“Para alcançar o conhecimento, acrescente coisas todos os dias. Para alcançar a sabedoria, remova coisas todos os dias, dita a tradição milenar com Lao Tsé.

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