A ATUALIDADE DO MITO DA CAVERNA

O mito da caverna possui vários outros nomes, como “alegoria da caverna”, “prisioneiros da caverna” ou “parábola da caverna”. Essa alegoria faz parte da obra “A República”, da autoria do filósofo grego Platão.

Nesta narração, Platão nos convida a imaginar uma caverna onde dentro existem humanos que ali nasceram e cresceram. Eles nunca saíram, porque se encontram presos no seu interior. Os habitantes da caverna estão de costas voltadas para a sua entrada. Fora da caverna, existe um muro alto que separa o mundo exterior da caverna. Os homens existentes no mundo exterior mantêm uma fogueira acesa, e os ruídos que fazem podem ser ouvidos dentro da caverna. De igual forma, as suas sombras são refletidas na parede no fundo da caverna, e os seres humanos acorrentados, vêm as sombras e pensam que elas são a realidade.

Em seguida, Platão pede que imaginemos que um dos seres humanos acorrentados consegue fugir da caverna, subir o alto muro e passar para o outro lado, e descobre que as sombras que antes via, vinham de homens como ele. Além disso, descobriu também a natureza iluminada pelo Sol, que existia do outro lado do muro. Platão discursa então sobre o que esse homem fará com essa nova realidade e o que poderá acontecer se ele resolver voltar para a caverna e contar aos outros que a vida que vivem é, em realidade, um engano. Poderá acontecer que os outros homens o ignorem completamente, ou, no pior dos casos, que o matem, por considerarem que ele é um louco ou mentiroso.

Através desta alegoria, desta metáfora, Platão nos remete para a situação que muitos vivemos: num mundo circunscrito e limitado a valores tão imediatos e fugidios, como um arco-íris quando dele nos aproximamos.

A exemplo dos homens presos na caverna, damos vida e poderes dominantes a muitas “sombras”, e as elevamos à condição de deuses e semideuses num moderno panteão mitológico.

O afã consumista, a predominância de marcas e modas, a cartilha comportamental ditada por massivas campanhas publicitárias, cria exército de seguidores do mesmismo forçado, como se se vestissem com os mesmos uniformes, usassem os mesmos apetrechos eletrônicos, frequentassem os mesmos lugares, saboreassem os mesmos pratos, falassem as mesmas gírias, fizessem uso das mesmas distrações – como se tudo já não fosse uma grande e duradoura distração -, lançassem mão dos mesmos prazeres, nos permite imaginar que o deus Mercúrio, deus da venda, lucro e comércio, na mitologia romana, vem substituído por novos deuses: Channel, Hermès, Louis Vuitton, Apple e tantos outros, que passam a evocar nossa absoluta e exclusiva atenção e desejos de consumo.

A deusa Vênus, a deusa da beleza, une-se à Hebe, a deusa da juventude, agora, no templo do culto ao corpo, e vêm travestidas de implantes siliconados para se esculpir o corpo, batons e vasto catálogo de produtos para maquiagem, além de outros tantos produtos para retirar as maquiagens, de cremes milagrosos para o dia e para a noite, de loções e unguentos que prometem rejuvenescer, de unhas e cílios postiços, de intervenções cirúrgicas plásticas meramente estéticas. Tudo para o externo. Nada para embelezar o mundo íntimo.

O deus Baco, deus da luxúria e do vinho, nunca esteve tanto em voga como agora. São muitos os altares que lhe são dedicados, em todas as classes sociais. A problemática do sexo irresponsável, que transcendeu a liberdade de cada um para a prática da libertinagem, associa-se ao abuso dos alcoólicos, que costuma trazer no seu entorno o apelo de outros alucinógenos, cada dia mais avança no contingente dos mais jovens, busca os de idade cada vez mais novos (o que não exclui os mais velhos, que teimam em não crescer em maturidade), enlea todos em suas redes sufocantes e constritoras, onde permanecem alucinados, e convivem com as consequências previstas: abortos, doenças transmissíveis, distúrbios emocionais graves, alcoolismo, drogadição. Caminhos que muitos trilham, e poucos voltam. Baco atualmente transita livremente durante o dia e a noite, e seus adoradores encontram-se pelas baladas, pelos bares, pelos motéis, pelas orgíacas festas particulares, pelos lares despidos de limites morais. Ele pode estar no que é prática comum de muitos, mas não no que é normal, uma vez que nem tudo o que é comum, é normal.

Marte, o deus da guerra, instalou-se em altar privilegiado, quanto perigoso, por difícil de ser alcançado: o coração de boa parte da humanidade. Ele segue adorado e recebe fartos sacrifícios em sua homenagem, ora em nome de democracia, ora em nome de teocracia, ora em nome nacionalismo, ora em nome de facções religiosas, e muito em nome do comércio das armas, que os senhores das guerras fornecem com fartura e a peso de ouro. Vamos encontrá-lo no dia de hoje, regozijante em sua regência, na Síria, no Iêmen, no Iraque, no Oriente Médio, no Afeganistão…

Mas também vamos vê-lo no “altar’ de muitos lares em desalinho, na intemperança no trânsito de veículos das cidades, nas uniões afetivas enfermas, na superficialidade dos relacionamentos humanos, na agressividade dos comportamentos, nas vidas ceifadas com as balas perdidas, nas agressões homofóbicas, nas aversões preconceituosas, na violência contra mulheres e crianças.

Marte está no rifle AK-47, nas bombas de maior ou menor destruição, nos porta-aviões, e, também, nas mãos que agridem, nas bocas que extravasam o fel da agressão verbal, no bullying, na calúnia, no fuxico.

Não estamos por condenar com discurso puritano quem busca o bem-estar físico, que dá tratos ao bom gosto, que pratica o bom sexo, que aprecia a boa mesa, que vive com jovialidade, que trabalha arduamente e deseja bem gastar os seus ganhos financeiros. Não, não é isso. O que ponderamos a título de reflexão, é a falta de limites, os excessos de toda ordem, o buscar tirar partido em proveito próprio de tudo e de todos, o alheamento aos valores éticos, morais, comportamentais, o desrespeito a si mesmo e ao próximo, o desvalor dado à vida, a falsa civilidade, a fascinação pelo consumismo desenfreado.

Chamamos atenção para a necessidade da reestruturação da família em bases sólidas da fraternidade, da solidariedade e da tolerância.

Já que os mitos fazem parte do imaginário e das ações humanas, no geral, e, figuradamente, aqui já estamos por fazer um paralelo com os deuses da mitologia romana antiga e comportamentos modernos (na verdade comportamentos muito antigos que teimam em permanecer), então, seguindo no mesmo foco, rendamos “culto” à deusa Vesta, deusa do lar, e façamos com que ela se sinta recompensada no seio da nossa família, onde ali sejamos o primeiro a agir com respeito, com cortesia, com afabilidade; que sejamos os que usemos com frequência as palavras ‘por favor’, ‘muito obrigado’, ‘com licença’, ‘me perdoe’, ‘eu amo você’; que sempre estejamos com os braços prontos para fortes e afetivos abraços, e as mãos prontas para a colaboração e o companheirismo.

Ao deus Saturno, deus do tempo, que torne sagrado nosso trabalho profissional, nosso trabalho no lar, nosso trabalho em benefício social e obras humanitárias, nossa presença na vida dos nossos entres queridos, nossa dedicação à Deus. Que aprendamos a administrar o tempo de modo a que ele seja bem utilizado e produza frutos saborosos que vitalizem o ânimo, o bem querer, a disposição.

À deusa Minerva, deusa do saber, que nos aproxima do conhecimento, da cultura e, também, da sabedoria. Que conquistemos o saber, aproveitemos as muitas informações disponíveis, que nos facultam alcançar grande amplitude de conhecimentos, e que venham a nos servir de base para uma vida saudavelmente bem vivida. “Reverentes” a Minerva, nos dediquemos a boa leitura, ao estudo da vida e da nossa razão de existir, no aprendizado dos valores imorredouros, das letras e práticas das virtudes, de modo a que aproveitemos do tempo disponibilizado por dádiva de Saturno para nosso crescimento moral, e nos entreteçamos com assuntos eticamente edificantes, e deixemos de lado as distrações entorpecedoras dos sentidos e dos sentimentos.

À Cupido, o deus do amor. Amor, palavra decantada em prosa e verso, em todos os idiomas e em todos os quadrantes da Terra, no entanto, despida de seu verdadeiro sentido, distante de nossos sentimentos.

Quanta falta faz o Amor!

O Amor é de conteúdo tão rico, que se apresenta de muitos tipos e acabamos por achar que o sentimos de diversas maneiras: amor maternal, o amor filial, o amor paternal, o amor-paixão, o amor-desejo. Quando na verdade Amor é amor, e isso basta.

Num sentido mais geral, os tipos mais conhecidos de Amor são: Ágape, afinidade de ideais espirituais; Eros, atração física e desejo; e Philos, afinidade mental e cultural.

O que é mais importante, urgente mesmo, é que desenvolvamos esse nobre sentimento em nós, e o dediquemo-lo a nós mesmos, ao próximo e a Deus.

À deus Apolo, deus da luz. Hora e vez de deixarmos a caverna onde convivíamos com as sombras de uma realidade ilusória, dando valor aos desvalores, com culto aos desvarios, aprendendo o desnecessário, descuidados das causas e apaixonados pelos efeitos e coisas. Vamos para a luz do dia, para o “reino de Apolo”, a fim de que possamos reconhecer e vivenciar a vida com suas verdades mais verdadeiras. Que a claridade do Sol da Vida, penetre nosso âmago, e ilumine nossos melhores desejos, e alinhe-nos ao caminho certo que nos leve para conquistas pessoais no campo das virtudes, da sabedoria, da relação humana harmoniosa.

Hora de ampliar a visão para o exterior mais distante e, principalmente para nosso interior, e estimularmos o crescimento pessoal, sem receios nem constrições prejudiciais à razão. Vejamos na vida a realidade sem crueza, o objetivo sem magia, o subjetivo sem superstição. Isso nos demonstrará que a conquista da felicidade e da harmonia pessoal, depende apenas do esforço que cada qual empreendamos para ser livres, para sair da escuridão da caverna da ignorância, para aspirar o futuro, a fim de voar alto e longe, não pela imaginação mítica, mas através dos recursos psíquicos, intelectuais, sentimentais, na direção da Consciência Cósmica, do Grande Todo, que em nós se desenvolverá a pouco e pouco.

Fora da caverna, rompidos os grilhões que nos retinham apartados da grande luz da vida verdadeira, retomemos a reedificação e o convívio harmonioso em nosso lar, “fiéis” à Vesta; valorizemos o tempo, dando-lhe utilidade efetiva e proveitosa, “acompanhados” de Saturno; dediquemo-nos à conquista do saber, “sigamos juntos” com Minerva; vivenciemos o Amor na prática, “rendamos homenagens” a Cupido; acendamos a luz dos valores nobres que há em nós, iluminemos a nós próprios e aproximemo-nos de nosso próximo, “tutelados” por Apolo.

Nessa jornada iluminativa, que é caminho para dentro de nós, conduzamos o archote com a luz do fogo da verdade, e vamos nos autodescobrir e, então, seremos capazes de acalentar o próximo como irmão de caminhada. E esse será o nosso celeste momento de reencontro com Júpiter, o Senhor dos deuses, que, também por ser conhecido como o deus do dia, fará com que nosso coração pulse em permanente dia e jamais volte a agasalhar sombras, pois onde se faz a luz, as sombras batem em retirada.

Somos herdeiros naturais das nossas próprias experiências, o que nos faculta crescer e adquirir maior soma de valores intelecto-morais, se bem aproveitadas.

Os mitos, dessa forma, encontram-se no bojo das nossas formações, não dissociados do nosso comportamento atual. Atitudes e realizações, anseios e propostas de variado teor repousam, inconscientes, em mitos que não foram decodificados pela consciência. Apresentam-se e nos dirigem ações.

No entanto, à medida que nos desenvolvemos psicologicamente, que alcançamos novos níveis de consciência, os mitos sofrem transformações e adaptações aos mecanismos dos diferentes períodos de crescimento e amadurecimento. As fantasias vão sendo substituídas por novas aspirações realistas que se fundem na imaginação, e abrem espaço para um desenvolvimento equilibrado e saudável.

A libertação do “nosso” mito da caverna, e de todos os mitos, se torna possível quando corajosamente nos revestirmos de valores morais e culturais para enfrentarmo-nos pelo autoconhecimento, e nos demitizar, e resolvamos por assumirmos a nossa realidade espiritual.

O Mestre dos mestres entoou seu cântico de esperança e de revelações, há mais de dois mil anos, e afirmou: vós sois a luz do mundo, o sal da Terra. Sois deuses, e podeis fazer o que eu faço e muito mais.

Não tenhamos receio, portanto, uma vez saindo da caverna platônica, tendo conhecido a luz, passemos a vivenciá-la e andarmos sob sua claridade, e não titubeemos em voltar para junto dos que ainda lá se encontram, para noticiar-lhes que a vida tem um novo significado, uma nova realidade, uma amplitude não imaginada, uma sublimidade não sonhada.

Disse Platão, na interpretação do mito, que aquele que havia saído, receava voltar, não ser compreendido e até pudesse ser morto por revelar sua nova verdade.

Num sentido maior, Platão retratou o comportamento humano. Haja vista o que vem sendo feito pelos homens ao longo da História, para os que falaram do que se passava para “além da caverna” em seus tempos: Sócrates, Giordano Bruno, Jan Huss, Joana D’Arc, Mohandas Gandhi, Martin Luther King, sem deixar de citar Jesus, dentre outros tantos. Todos mortos, deram-se em holocausto pelo bem da humanidade, e revelaram-nos novos horizontes, que ousaram transpor.

Platão usou essa narrativa para explicar como o ser humano pode obter libertação da escuridão com a ajuda da luz da verdade, falando também da teoria do conhecimento, do conceito de linguagem e educação como alicerces de um Estado Ideal.

Busquemos, pois, a Verdade, que está além das nossas relativas verdades. Conheçamos a Verdade; esta nos libertará.

… E a Grande Luz nos falou: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.

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